segunda-feira, 17 de abril de 2017
"SOBROU PARA TODOS"
O coleguinha que fez a manchete de "O Globo" não poderia ter sido mais sintético e preciso. É a total desmoralização do nosso presidencialismo de coalizão, com a implosão do mercantilizado sistema político-partidário vigente. De imediato, só nos resta esperar que esta "delação do fim do mundo", do ministro Edson Fachin, assinale também o sepultamento dos escandalosos vazamentos seletivos da operação Lava-Jato. Que, pelo menos, as notícias sobre a delação sejam amplas, gerais, irrestritas e, sobretudo, isentas, tanto as dos juízes quanto as da mídia.
Arthur Poerner
sexta-feira, 31 de março de 2017
No compasso da censura - Samba proibido
No link, Poerner fala da parceria com Candeia, ao som de trechos do samba.
Jornal: O Globo - Segundo Caderno - Data: 26/03/2017 - Por Mariana Filgueiras.
Desde o início de 2015, o Arquivo Nacional está digitalizando todo seu acervo de documentos da ditadura militar, um trabalho de valor fundamental para a preservação da história do país - e que deve ser concluído até dezembro deste ano. Nas milhares de caixas de documentos, há toda a leva de letras musicais que foram submetidas à censura entre 1964 e 1985. No total, são 13.743 letras de músicas, e mais da metade já foi disponibilizada para o público no site da instituição. Entre elas, cerca de 1.500 eram sambas, de compositores como Paulinho da Viola, Candeia, Martinho da Vila, Leci Brandão, Nei Lopes, Zé Kéti, Elton Medeiros e tantos outros. É neste montante que se concentrará esta série de reportagens do GLOBO, que vai contar as histórias de bastidores destas canções, as circunstâncias em que se deram os vetos e a reação dos compositores ao ver esses documentos originais pela primeira vez.
CANDEIA E O 'MORRO DO SOSSEGO'
RIO – Era a noite de Sexta-Feira da Paixão de 1968. O jornalista e escritor carioca Arthur Poerner, que já havia sido preso pelo regime militar, hospedava em casa, no Jardim Botânico, o amigo uruguaio Eduardo Galeano, que colhia informações para o livro “As veias abertas da América Latina”, que se tornaria um clássico quando publicado, três anos depois. Galeano pediu para Poerner levá-lo a um terreiro de quimbanda que funcionava no Morro do Sossego, ali perto.
Voltaram de lá tão impressionados “com o que havia de protesto anárquico no ritual”, especialmente com a figura de um preto velho, o Vovô Catirino, lembra Poerner, que chegou em casa e escreveu um poema sobre o episódio, “Morro do Sossego” (Galeano também relataria o que viu em 1978, no livro “Dias e noites de amor e guerra”). O poema ficou na gaveta por dois anos, até o dia em que um novo amigo, Antonio Candeia Filho, o Candeia — sambista que surgia com força impressionante na Portela — convidou Poerner para uma parceria musical. O jornalista entregou o mote guardado ao sambista: “Ó Catirino menino, pombo que escapa ao morcego/ seu sangue quer preservar/ Ó, Catirino inquilino, sossega lá no Sossego...”
A discussão sobre a censura na música popular brasileira existe há um tempo, mas não no samba’
— Quando leu o poema, Candeia quis musicá-lo. Ele era, também, à sua maneira, um contestador do sistema e da opressão, profundamente engajado na luta pela pureza do samba e contra a discriminação racial e social, duas das muitas causas pelas quais se batia. No fim daquele ano, eu já estava exilado na Alemanha, e ele me escreveu, informando que o conjunto Nosso Samba gravaria a composição “em janeiro, o mais tardar”, e que a Clara Nunes “já a cantarolava”. Mandou até uma fita K7 com uma gravação caseira, que guardo até hoje. Eu nunca soube da censura. Nem os meus prontuários no Dops e no SNI se referiam ao fato — detalha o jornalista, aos 76 anos, autor de “O poder jovem”, de 1968, best-seller sobre a história do movimento estudantil brasileiro, dos primeiros livros a serem recolhidos pós-AI-5.
- Stephen BocskayPesquisador
— Quando leu o poema, Candeia quis musicá-lo. Ele era, também, à sua maneira, um contestador do sistema e da opressão, profundamente engajado na luta pela pureza do samba e contra a discriminação racial e social, duas das muitas causas pelas quais se batia. No fim daquele ano, eu já estava exilado na Alemanha, e ele me escreveu, informando que o conjunto Nosso Samba gravaria a composição “em janeiro, o mais tardar”, e que a Clara Nunes “já a cantarolava”. Mandou até uma fita K7 com uma gravação caseira, que guardo até hoje. Eu nunca soube da censura. Nem os meus prontuários no Dops e no SNI se referiam ao fato — detalha o jornalista, aos 76 anos, autor de “O poder jovem”, de 1968, best-seller sobre a história do movimento estudantil brasileiro, dos primeiros livros a serem recolhidos pós-AI-5.
A confirmação só aconteceu agora: a letra fora de fato vetada, e de acordo com o parecer dos censores, dado no dia 26 de maio de 1971, “por incentivar a luta de classes”. O documento acaba de ser encontrado durante o processo de digitalização das letras musicais que eram submetidas à censura na ditadura militar (1964-1985), minucioso trabalho a que o Arquivo Nacional deu início em 2015 e que só deve se concluir em dezembro deste ano — e que já revelou outras canções inéditas da MPB, conforme publicado no GLOBO quando do início do trabalho.
No total, são 13.743 letras de músicas, e mais da metade já foi disponibilizada para o público no site da instituição. Entre elas, cerca de 1.500 eram sambas, de compositores como Paulinho da Viola, que teve apenas uma música censurada em sua carreira, “Meu sapato”, de 1971. A canção foi alterada por ele, ganhando novos versos, tendo sido gravada apenas cinco anos depois, no álbum “Memórias cantando”, de 1976. Ou como Martinho da Vila, Leci Brandão, Nei Lopes, Zé Kéti, Elton Medeiros e tantos outros. É neste montante que se concentrará esta série de reportagens que tem início hoje e vai até quarta-feira.
O samba “Morro do Sossego” só foi gravado em 1988, por Cristina Buarque, num disco que homenageava Candeia dez anos depois de sua morte, em 1978. A intérprete o escolheu para o repertório por ser um samba “que ele gostava de cantar nas rodas de samba, apesar de nunca ter gravado”.
A confirmação só aconteceu agora: a letra fora de fato vetada, e de acordo com o parecer dos censores, dado no dia 26 de maio de 1971, “por incentivar a luta de classes”. O documento acaba de ser encontrado durante o processo de digitalização das letras musicais que eram submetidas à censura na ditadura militar (1964-1985), minucioso trabalho a que o Arquivo Nacional deu início em 2015 e que só deve se concluir em dezembro deste ano — e que já revelou outras canções inéditas da MPB, conforme publicado no GLOBO quando do início do trabalho.
No total, são 13.743 letras de músicas, e mais da metade já foi disponibilizada para o público no site da instituição. Entre elas, cerca de 1.500 eram sambas, de compositores como Paulinho da Viola, que teve apenas uma música censurada em sua carreira, “Meu sapato”, de 1971. A canção foi alterada por ele, ganhando novos versos, tendo sido gravada apenas cinco anos depois, no álbum “Memórias cantando”, de 1976. Ou como Martinho da Vila, Leci Brandão, Nei Lopes, Zé Kéti, Elton Medeiros e tantos outros. É neste montante que se concentrará esta série de reportagens que tem início hoje e vai até quarta-feira.
O samba “Morro do Sossego” só foi gravado em 1988, por Cristina Buarque, num disco que homenageava Candeia dez anos depois de sua morte, em 1978. A intérprete o escolheu para o repertório por ser um samba “que ele gostava de cantar nas rodas de samba, apesar de nunca ter gravado”.
Letra de 'O morro do sossego' vetade por 'incentivar a luta de classes' - Reprodução
— Ele nunca comentou a censura desse samba — observou Cristina, ao ver o documento pela primeira vez, na última segunda-feira, onde percebeu também os erros de datilografia da própria gravadora que enviou a letra (em vez de “Sinhá, pra melhorá”, é “E sonhar pra melhorar”). — Procurei no livro “Candeia, luz da inspiração”, escrito por um grande
Letra de 'O morro do sossego' vetade por 'incentivar a luta de classes' - Reprodução
— Ele nunca comentou a censura desse samba — observou Cristina, ao ver o documento pela primeira vez, na última segunda-feira, onde percebeu também os erros de datilografia da própria gravadora que enviou a letra (em vez de “Sinhá, pra melhorá”, é “E sonhar pra melhorar”). — Procurei no livro “Candeia, luz da inspiração”, escrito por um grande amigo dele, João Baptista Vargens, mas não se fala nesse assunto. O samba só é citado na discografia.
Quem está farejando os documentos raros deste período específico da história do gênero é o pesquisador musical americano e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Stephen Bocskay, que está finalizando o livro “Samba e afropolítica durante a ditadura militar brasileira”, ainda sem editora. É à distância que ele vem conseguindo esmiuçar o acervo recém-escaneado pelo Arquivo Nacional.
— Como Candeia foi um homem tão dedicado ao combate da opressão da cultura negra brasileira, me custava aceitar a ideia de que nenhum samba dele tivesse sido vetado. Para mim, era só questão de tempo até alguma prova aparecer. Nem historiadores ou familiares sabiam dizer — comenta Bocskay, que é músico e pesquisador da cultura da diáspora africana há cerca de oito anos e professor visitante de pós-graduação em Comunicação na UFPE. — A discussão sobre a censura na música popular brasileira existe há um tempo, mas não no samba. O silenciamento do negro é uma ferida aberta na sociedade brasileira. Eu me interessei pelo assunto porque muitas pessoas, e livros, ou escamoteiam as relações raciais entre brancos e negros ou as idealizam em nome de uma identidade nacional unificada da mestiçagem cordial, o que é uma farsa.
Arthur Poerner
sábado, 4 de março de 2017
Meu olhar marejou
Só pode ter sido a lavagem com as águas da Portela que me fez acordar tão bem, tão feliz e em paz, mesmo neste mundo em que se acirra a belicosidade. Há muito que eu não despertava tão inteiro e disposto a enfrentar os trevosos tempos que se avizinham.
Só pode ter sido o peso de que me livrei, dos 33 anos em que desfilei tantas vezes e deixava a Portela ovacionada na Sapucaí para que o sonho se acabasse na quarta-feira, na apuração dos resultados, até por um décimo, como no ano passado.
O Candeia, meu saudoso amigo e parceiro, principal responsável pelo tom azul e branco da minha identidade, certamente tem a ver com isto: deve ter ouvido o apelo do samba, alumiando o nosso caminho banhado de axé.
Arthur Poerner
segunda-feira, 5 de setembro de 2016
A FORÇA DAS RUAS
É do povo que terão de vir as reformas urgentes de que tanto precisa o nosso país. Quase nada se pode esperar do Congresso que está aí, eleito, em grande parte, pelo dinheiro da corrupção das grandes empresas, fisiológico em suas práticas e sempre regido pela ambição de cargos e outras vantagens corporativistas, sem levar em conta o todo nacional. Um Congresso que, como disse o cientista político Leonardo Avritzer, representa "interesses privados muito particulares". E que, por isto, perdeu por completo a sintonia com o povo brasileiro.
Foi com uma passeata, em 1º de fevereiro de 2007, que retomamos o terreno que sediava a UNE até o golpe de 1964. Tive a honra de estar com Aldo Arantes, ex-deputado federal e ex-presidente da entidade estudantil, na linha de frente da marcha que partiu dos Arcos da Lapa para romper as barreiras que impediam o acesso dos estudantes à Praia do Flamengo, 132.
Arthur Poerner
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