sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Autobiografia de Aldo Arantes, um reencontro com a nossa História
Foi de reencontros com companheiros da resistência à ditadura e das lutas pela democratização que a sucederam a noite da segunda-feira na OAB, no lançamento da autobiografia do ex-deputado federal (por quatro mandatos), ex-presidente (1961/62) da União Nacional dos Estudantes (UNE) e ex-preso político durante a ditadura Aldo Arantes. Como ele é militante desde secundarista, a sua trajetória pessoal tem como pano de fundo a do Brasil nos últimos 50 anos. Leitura das mais proveitosas, para relembrar e não esquecer. Abaixo, o meu reencontro com o ilustre amigo e companheiro goiano.
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
"Notícias de um condenado", de Cacá Diegues, O Globo, 10.8.2013, p. 16
13.8.2013
Alô, Cacá,
importantes, porque centradas, objetivamente, nas ameaças concretas ao coordenador do AfroReggae, as suas notícias. Os perigos vão se multiplicando à medida em que a legião de historicamente deserdados, ou seja, o povo, está chegando ao empate no Brasil. O atual modelo de democracia representativa ainda funciona contra, por causa do peso absolutamente desequilibrador do poder financeiro nas eleições. Mas, estamos chegando lá...
Em momentos como este, eu gostaria de ainda poder ouvir o seu pai, que me estimulou muito quando, em meu início no jornalismo, publiquei os primeiros artigos assinados no Correio da Manhã, sobre os golpes militares na America Latina. Era 1964 e acabáramos de sofrer o nosso... Abração
Poerner
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2013/08/10/noticias-de-um-condenado-506438.asp
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
"Memórias do exílio"
Meu Prezado Poerner,
Terminei de ler o seu depoimento em um livro que havia comprado há muito, mas devido a outras necessidades de pesquisa ainda não havia conseguido ler.
Trata-se do Memórias do Exilio.
Gostei muito do seu depoimento. Equilibrado, inteligente, com notável cultura jornalística revelando em detalhes as vicissitudes passadas no exterior. Não sabia que você falava alemão.
De tudo, mas do que sua oposição a ditadura, ficou a imagem de uma pessoa com enorme grandeza humana.
Nós, ex-combatentes torturados, perdemos de certo modo essa dimensão relacional que você nos oferece. A tortura, o trauma e as cicatrizes permanecem no corpo e na mente nos apequenando e, as vezes, impedindo a solidariedade de outrora.
Por esse motivo, apreciei o seu relato. Apesar de tudo, a gente pode perceber que você não perdeu a alegria de ser brasileiro.
Aproveito para enviar meus dois últimos poemas* - Exilio e Carne Viva - que de certa forma refletem o exílio e as marcas de quem não conseguiu sair do país.
Forte Abraço
Adail Ivan de Lemos
Exílio
Uma carteira falsa
Um olhar suspeito
Um funcionário reticente
passo a fronteira
displicente
Do outro lado
volto a ser eu mesmo
lá não há a indecência
cordões da morte ou CENIMAR
cordões da morte ou CENIMAR
somente a cordilheira norte
com sua vista para o mar
Como se estivesse encubado
em uma mina sem sol
desencasulo à tempo
Vejo um lago iluminado
com flores e água corrente
no primeiro feriado de encantamento
Fico embriagado com meu novo país
sento na praça sem pressa
saúdo os passantes
vejo o voo dos pássaros
Posso beber a qualquer hora
da noite ou mesmo do dia
da noite ou mesmo do dia
Em qualquer bar poderia
Ninguém é da polícia
Não mais hoje do que ontem
vai adolescendo um desmonte
devolvendo a dor avante
de estar longe mulher e filho
Lembranças da perseguição
dos dias de anteontem
Subitamente, não se faz mais presente
a paz insistente que procuro recriar
O improvável trouxe consigo seus
imponderáveis
poderíamos ganhar lá e perder o aqui
ou ganhar aqui e perder lá
Para trabalhar e sobreviver
deixo de ser o revolucionário
que já não era
e volto a ser o que sou
nome, profissão e identidade
e dou adeus à clandestinidade
Ivan
Lemos
Rio,
13 de junho de 2013.
Carne Viva
Fui conduzido à OBAN
já havia sido torturado antes
nas entranhas da sucursal do inferno
Contaram histórias estranhas
queriam que confessasse
coisas malucas
neguei tudo
Dependuraram-me nu
recebi choques elétricos
nos tendões do crâneo e do pé
No dia seguinte, um novo qual é
as mesmas perguntas
sob cuspe, berros e ameaças
mais engasgava maiores as cutiladas ácidas
Sentia-me tonto e fraco
me agarrava ao desmaiar
mas fui reanimado arfando
queria parar de sangrar
com fisgadas no hipocôndrio
indícios de quebrado ombro
Na quarta-feira, o capitão Honório
marcou novo interrogatório
corpo suado, hematomas
rosto deformado, sintomas
no espelho d’água na pia
não me reconheci
Como fugir de mim?
Disseram que a equipe de amanhã
essa sim era barra pesada
Se sobreviver,
vai lembrar sempre de sua valentia
dormi estropiado fruto de aleivosia
Dos filhos teus
sonhei que o soldado era um anjo
e subíamos de mãos dadas
ao reino do adeus
Ivan
Lemos
Rio,
9 de junho de 2013.
Olá, Adail,
muito obrigado pela sua estimulante mensagem. Acredito que, para um escritor, palavras como as suas tenham sido sempre, desde os primeiros livros da Humanidade, a principal recompensa pelo trabalho de escrevê-los, maior ainda nestes tempos de best-sellers com prazo de validade programado.
Gosto sempre de ler os seus poemas. Já os publicou em livro ? Abraço fraterno do
Poerner
Querido amigo Poerner,
Que bom que você gostou do que disse. Saiba que veio de dentro, logo depois de terminar a leitura de seu depoimento. Tudo que escrevo carrega a marca da autenticidade e tudo o que digo representa o que estou sentindo. Nós que nunca nos vimos, nos tornamos próximos, quase amigo íntimos, depois de ler o seu relato.
Não, ainda não os publiquei porque muitos dos meus poemas brotaram tardiamente em minha vida.
Especialmente, depois que Lara de Lemos (minha mãe e poetisa) veio a falecer.
Incluo anexa uma foto* sua com Mario Quintana.
Aproveito para incluir também meu último poema Laguna dedicado a Giuseppe Garibaldi. Acabo de ler sua biografia.
Abs
Adail Ivan de Lemos
*Lara de Lemos e Mario Quintana
O Fim da Nova República
Nelson Paes Leme
Há ciclos históricos decisivos bem claros no estudo dos momentos constituintes de transição comparados desde os albores da civilização. No Brasil não tem sido diferente. A transição do Brasil Colônia para o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves começou com a saída estratégica de D. João VI da Europa, ludibriando Napoleão com o apoio logístico da Inglaterra. À transição dessa nossa fugaz Monarquia para o Império correspondeu a pressão das Cortes de Portugal para que o monarca retornasse à Europa, pela importância e prevalência que o Brasil vinha assumindo na união do reino. Disso resultou o movimento pela nossa Independência. Ali foi de transcendental importância, não apenas o movimento popular liderado pelos irmãos Andrada, mas a figura discreta de Silvestre Pinheiro Ferreira, filósofo e conselheiro de D. João VI e posteriormente de Pedro I. Oliveira Lima e Otávio Tarquínio de Souza se ocupam desse período com maestria e fartura de detalhes. Daí resulta a Constituição de 1824.
A queda do Império, por sua vez, foi prenunciada pelo esgotamento do período imperial, emblematizado pelo "Baile da Ilha Fiscal" e tendo como pano de fundo os movimentos abolicionista e republicano que resultaram no golpe militar com Deodoro da Fonseca proclamando a República e com o surgimento das figuras ímpares de Joaquim Nabuco de Araújo e Rui Barbosa. Surge a Constituição de 1891. Já o fim da República Velha teve como emblema os gaúchos amarrando os cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco na Revolução de Trinta. Vem a Revolução Constitucionalista de 1932 porque Getúlio Vargas se nega a a mexer na antiga e é obrigado a editar a Constituição de 1934 que dura pouco, sucedida pela "Polaca" de 1937. O fim do Estado Novo, com as grandes passeatas dos estudantes pressionando o ditador para entrar na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados. Autores como Thomas Skidmore, Arthur José Poerner e Maria Victoria Benevides pintam com clareza o retrato daqueles tempos, com o surgimento da UDN, PTB e PSD, na redemocratização. Desse movimento resulta a Constituição democrática de 1946
Ao Golpe Militar de 1964, corresponde o Comício da Central e a Marcha da Família com Deus pela Democracia, corolário de uma bem urdida conspiração das Forças Armadas com o apoio da CIA, do Pentágono e do Departamento de Estado dos Estados Unidos. René Armand Dreifuss praticamente esgota o tema em seu antológico livro "1964 - A Conquista do Estado". Nesse período de vinte anos de exceção edita-se a Constituição de 1967 com a Emenda de 1969, consolidando os famigerados Atos Institucionais. À Nova República, correspondem as grandes manifestações de rua pelas "Diretas Já" que desaguaram na eleição de Tancredo Neves em 15 de janeiro de 1985, com as próprias armas congressuais casuísticas engendradas pelo regime militar. Estava implantada no Brasil a Nova República, com a ordem constitucional consubstanciada posteriormente na Carta de 1988, a partir das eleições de 1986 para o Congresso Constituinte que a elaborou. Inúmeros autores e a própria crônica recente dos jornais se ocupam desse período.
Agora cai a Nova República com essas gigantescas movimentações apartidárias de massa inusitadas pelo Brasil a fora, fomentadas e fermentadas pelas redes sociais sob o olhar perplexo e atônito das instituições, da mídia e da classe política. Governo e Oposição não sabem o que fazer nem como se situar. Os partidos políticos, canais naturais de comunicação da sociedade com o Estado, são escorraçados das passeatas com seus estandartes rasgados e pisoteados. Uma nova ordem se impõe. Ordem confusa ainda pela ebulição do caldeirão das ruas. Sem lideranças visíveis ou tangíveis. Sem porta vozes, senão a voz uníssona do descontentamento generalizado. Tudo está ainda muito nebuloso, mas já se prevê um novo ciclo histórico nascente, com o fim da ordem constitucional de 1988. É o fim desse ciclo iniciado há mais trinta anos, com a "abertura democrática" de Figueiredo, sucedendo a cautelosa "distensão lenta, gradual e segura" que Jimmy Carter praticamente impôs a Geisel e que resultou na queda, quase que simultânea, das ditaduras militares do Cone Sul. Os partidos políticos brasileiros de agora, canais por onde deveriam fluir as demandas da sociedade junto ao Estado, não mais representam o eleitor repugnado com o fisiologismo e com a corrupção generalizada. E, historicamente, todas as vezes que isso acontece, o Estado se distancia da sociedade e esta vai para as ruas, com manifestações mais ou menos virulentas, conforme o grau desse distanciamento e desse divórcio. São momentos extremamente delicados esses porque é neles que vicejam os salvadores da pátria e os grandes déspotas. E as grandes demagogias vêm à luz e à tona, por dentro e por fora do Governo.
Bem a propósito, vem a lição de Nabuco de Araújo sobre a dinâmica constitucional em momentos como esse de plebiscito extemporâneo, convocado pela Presidente da República. Nabuco trata explicitamente a Constituição como "um organismo vivo que caminha, e adapta-se às funções diversas que em cada época tem necessariamente que produzir." Cabe aos poderes constituídos dessa nossa frágil República em franca dissolução cumprir essa sentença de um dos maiores brasileiros de todos os tempos. O plebiscito já foi feito com o povo nas ruas e com o clamor da opinião pública: caiu a Nova República. Cabe ao Congresso adaptar a Constituição vigente para a inauguração da próxima. Teremos eleições gerais em 2014. Pois que venham. A campanha já começou.
Nelson Paes Leme é cientista político
O Globo, 12.7.2013, p.19
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