sexta-feira, 20 de abril de 2012

O grande Ismael

Para: coluna.ancelmo@oglobo.com.br                                                13 de abril de 2012

Alô, Ancelmo,

imprudente e temerária a certeza do Paulo Lins quanto à homossexualidade do principal criador e fundador do samba, Ismael Silva, de quem me tornei amigo na segunda metade dos anos 60. Ele ia com frequência esperar-me à saída do Correio da Manhã, à Av. Gomes Freire, 471, para uma saideira de conhaque Dreher regada à cerveja (tinha que ser Antarctica, com o depois do erre e casco obrigatoriamente escuro) num boteco que, se não me engano, ainda existe na esquina da Riachuelo, onde eu depois pegaria o ônibus para casa. Sempre de terno de linho e sapatos brancos e gravata vermelha, andava devagar, com os pés voltados para fora, atormentados pelos cravos que os machucavam nas solas. Quando alguém o inquiria sobre a vida afetiva, referia-se a uma noiva - ficcional, presumo, pela risada malandra que acompanhava a confidência - para a qual estaria preparando um enxoval no quarto em que morava ali ao lado do botequim.
      Depois que fui preso e deixei o país, recebi no exílio um cassete em que ele falava da retomada da carreira, com os discos "Se você jurar" e "História da MPB", da Abril. Ismael foi, com o Otto Maria Carpeaux e o meu parceiro portelense Candeia, um dos três amigos mais próximos que não pude reencontrar ao voltar com a anistia.  Em anos de contatos quase diários, jamais pude perceber nele qualquer inclinação à homossexualidade. Nada contra, evidentemente, se a tivesse.
     Com os afetuosos abraços do 

                                            Poerner

2 comentários:

Anônimo disse...

Hola Arthur es tu amigo de Venezuela Onairpic Celis que conociste hace 2 semanas en el restaurant la Fiorentina que hicimos el debate sobre la situación de mi país hasta las 5am con tus amigos..que me estaba hospedando en el hotel Golden Tulip Continental...te voy a agregar en el facebook! para estar en contacto! un abrazo..saludos!

Glauco de Oliveira disse...

10 de abril de 2012 11:17


Olá, Poerner:
Patrimônio da cultura brasileira, autor de peças antológicas da MPB, Ismael Silva terminou os seus dias modestamente, em quarto paupérrimo da Lapa, longe dos holofotes, sem as honras e pompas a que tinha direito por sua notável sensibilidade e criatividade. O jornalista Bruno Torres Paraiso me contou que o entrevistou nesses seus últimos tempos, para o Correio da Manhã, naquele quarto modesto, e se lembra da inteligência instigante e da modéstia dele, vivendo em condições muito aquém daquelas que merecia, sem reclamações. Agora, segundo notícia publicada na coluna do Ancelmo Gois, em O Globo, acaba de ser mais uma vez – como sambista, era considerado uma espécie de celerado – vítima do preconceito, lançando-se suspeição sobre as suas preferências sexuais, assunto que somente lhe dizia respeito e que nada têm a ver com a notável, e muito mal reconhecida, contribuição que deu à cultura brasileira. Ser apodado disso ou daquilo depois de morto, sem poder se defender, é um ato de covardia. Aliás, nem seria preciso. Ele tinha direito em exercer a sua privacidade da maneira que fosse mais conveniente e verdadeira. O Brasil precisa aprender a respeitar os que contribuem para elevar a sua riqueza cultural. O mais lamentável é que a dúvida sobre sua sexualidade tenha partido de um autor que, por ser negro e também possível vítima de preconceito, devia se o primeiro a respeitar a memória e a privacidade do grande mestre.
Abraço do Glauco de Oliveira