Depoimento para o Jornal da ABI
Arthur Poerner
O Poder Jovem foi o meu terceiro livro, depois de Assim Marcha a Família (1965), uma
crítica às marchas que mobilizaram a opinião pública para o golpe militar, e Argélia: o Caminho da Independência
(1966), sobre a vitória, quatro anos antes, da guerra de libertação do país
africano. Escrevi-o, sobretudo, para rechaçar o principal argumento invocado
pela ditadura na repressão às manifestações estudantis, o de que estudante não
deveria “se meter” em política, pois “sua função é estudar, assim como a do
padre é rezar”. A de militar politicamente deveria, portanto, ser reservada aos
militares.
Quando comecei a escrever O Poder
Jovem, no segundo semestre de 1966, eu tinha 26 anos, acabara de me tornar
o mais jovem brasileiro a ter os direitos políticos suspensos por 10 anos, por
decreto presidencial do marechal Castelo Branco, e respondia a IPM (Inquérito
Policial Militar) por ter sido diretor do semanário Folha da Semana, o primeiro jornal alternativo de resistência à
ditadura, onde brilharam, entre outros, Maurício Azêdo, Sérgio Cabral e Otto
Maria Carpeaux. Era redator e articulista do Correio da Manhã, que liderava a resistência na imprensa do país, e
cursava a Faculdade Nacional de Direito, onde participava diretamente do
movimento estudantil, através do Caco (Centro Acadêmico Cândido de Oliveira).
Sem perder de vista a idéia central de refutar a argumentação
ditatorial, pesquisei muito na Biblioteca Nacional e fui beneficiado pela
preciosa contribuição de ex-líderes estudantis, como o ex-ministro Hélio de
Almeida e o ex-deputado José Gomes Talarico. Descobri que desde, pelos menos,
1710, quando jovens seminaristas repeliram a invasão do Rio de Janeiro pelo
corsário francês Jean-François Duclerc, a juventude brasileira teve
participação política - algumas vezes, decisiva em nossa história.
No início de 1968, o movimento estudantil, em fase ascendente, assumira
a liderança da resistência nacional à ditadura, já que os movimentos sociais,
principalmente os sindicais, haviam sido esmagados. O meu editor, Ênio
Silveira, da Civilização Brasileira, que também editara os dois livros
anteriores, intensificou as pressões para que eu lhe entregasse os originais,
mas eu adiava o ponto final porque, a cada dia, ocorriam fatos relevantes que
eu não queria deixar de fora do livro. O querido amigo, extraordinária presença
na história cultural do nosso povo, mais experiente e menos otimista do que eu,
já pressentia o momento em que a publicação se tornaria impossível. Rendi-me.
Em 28 de março, o assassinato do estudante paraense Edson Luís de Lima
Souto, numa invasão policial do restaurante do Calabouço, me obrigou a escrever
uma Nota Complementar ao livro. E o Ênio, sem qualquer ressalva aos originais,
me comunicou que, com o agravamento da situação, o livro, já com o prefácio
escrito por outro querido amigo, o dicionarista Antônio Houaiss, precisaria de
mais um texto, uma espécie de salvo-conduto que garantisse a sua circulação.
Rejeitei os nomes inicialmente aventados para um segundo prefácio, dos
governadores de Minas Gerais, Magalhães Pinto, e de São Paulo, Abreu Sodré. Acuado,
acabei solicitando o texto ao general nacionalista Pery Constant Bevilaqua,
que, pelos seus votos liberais no Superior Tribunal Militar, acabaria punido
pelo Ato Institucional nº 5. O prefácio do Houaiss virou apresentação.
O livro foi lançado em 26 de julho de 1968, na atual Universidade Candido
Mendes. E ficou algumas semanas na lista dos mais vendidos da então
recém-lançada revista Veja, o
suficiente para que eu pudesse comprar o primeiro e único carro da minha vida,
um Fusca de segunda mão. No período de clandestinidade que vivi depois de fugir
pelas janelas do Correio da Manhã na
noite do AI-5, soube que havia sido um dos primeiros 20 livros oficialmente
proibidos, mediante portaria do ministro da Justiça, Alfredo Buzaid. Menos mal:
esgotado nas livrarias, já não sobravam exemplares para apreensão. Um jovem
pernambucano, o então futuro carnavalesco Fernando Pinto, da Mocidade
Independente de Padre Miguel, ainda me propôs uma versão teatral, mas também
foi proibida.
Depois de passar mais de três meses no DOI-Codi em 1970 e já exilado na
Alemanha, recebi, em 1977, um exemplar de uma edição clandestina, produzida por
estudantes da PUC de São Paulo. Com a anistia, o Ênio lançou a terceira, em
1979.
A quarta saiu em 1995, pelo Centro de Memória da Juventude, em São Paulo , com prefácio
do atual senador Lindbergh Farias, e a quinta, revisada, ampliada e atualizada,
em 2004, pela Booklink, do Rio, com prefácio do atual ministro dos Esportes,
Aldo Rebelo. Com esta, viajei de Manaus a Porto Alegre numa Caravana da UNE,
lançando o livro e fazendo palestras em 16 universidades de 15 estados.
Não sei dizer se a minha prisão pelos militares foi por causa d’O poder jovem. Acho que, como certas
premiações culturais, ela foi mais pelo conjunto da obra...
Rio de Janeiro, 14 de maio de 2012
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