A imprensa e o caso das crianças torturadas
Por Luciano Martins Costa em 25/02/2013 na edição 734
Comentário para o programa radiofônico do Observatório,
25/2/2013
Demorou uma semana, e apenas um dos principais diários de circulação nacional decidiu levar adiante o tema suscitado pela morte do técnico em computadores Carlos Alexandre Azevedo, ocorrido no dia 16/2. Como foi informado por este Observatório em 18/2 (ver “Morrer aos poucos”), ele se suicidou aos 39 anos, por não conseguir superar o trauma das torturas a que foi submetido enquanto esteve preso com seus pais, no Dops paulista, quando tinha apenas um ano e oito meses de vida.
Demorou uma semana, e apenas um dos principais diários de circulação nacional decidiu levar adiante o tema suscitado pela morte do técnico em computadores Carlos Alexandre Azevedo, ocorrido no dia 16/2. Como foi informado por este Observatório em 18/2 (ver “Morrer aos poucos”), ele se suicidou aos 39 anos, por não conseguir superar o trauma das torturas a que foi submetido enquanto esteve preso com seus pais, no Dops paulista, quando tinha apenas um ano e oito meses de vida.
A Folha de S.
Paulo havia feito, conforme sugestão deste observador, um necrológio
no dia 21/02, mas nada além disso. Seus editores certamente ainda acreditam que
o que houve no Brasil foi uma “ditabranda” – nesse caso, a destruição da vida
de Carlos Alexandre a partir da primeira infância teria sido apenas um dano
colateral.
Mas pelo menos um
jornal – o Globo – deu sequência à pauta. No domingo (24/2), o
jornal carioca publicou reportagem de página inteira com outras histórias de
crianças que foram presas e torturadas durante a repressão a ativistas que se
opunham à ditadura, nos anos 1970.
Na edição de
segunda-feira (25/2), o Globo noticia que a Ordem dos
Advogados do Brasil está exigindo que os atos de tortura que vitimaram crianças
sejam investigados. Sabe-se que a iniciativa tem poucas possibilidades de
seguir adiante, porque o Supremo Tribunal Federal tomou posição contra a
reabertura de processos contra agentes da ditadura, sob o silêncio complacente
e – por que não afirmar? – aliviado da maior parte da imprensa.
A reportagem de
domingo (ver “Tortura na
infância gera traumas e documentário” e “Filhos de
presos torturados carregam a dor do passado”) no Globo ouviu
algumas dessas vítimas, hoje adultos e todos carregando traumas insuperáveis
como o que levou Carlos Alexandre Azevedo ao suicídio.
Pelo menos um dos
responsáveis por esses crimes é identificado por algumas dessas testemunhas – o
coronel Carlos Brilhante Ustra, personagem de outras tantas histórias de
torturas e assassinatos, que segue protegido nas sombras da impunidade.
Impunidade é a regra
Se não for suficiente
para romper esse círculo vicioso de omissões e cumplicidade que envolve quase
toda a imprensa e o órgão máximo da Justiça, a morte de Carlos Alexandre
Azevedo tem pelo menos o poder de tirar da letargia a OAB.
A declaração do
presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem, publicada
pelo Globo na segunda-feira (25), revela o espanto de quem
desconhecia a degradação que tomou conta dos órgãos da repressão na década que
antecedeu a abertura democrática. “Estamos descobrindo que nem as crianças
escaparam da sanha assassina dos torturadores”, diz o representante dos
advogados brasileiros.
O que é que falta para
evitar que essa história se esvazie no nebuloso sistema de decisão editorial
dos jornais? Por que a imprensa é capaz de seguir os passos de personagens
obscuros da politicagem, registrar manifestações de meia dúzia de ativistas
contra políticos acusados de corrupção, e não tem interesse em apurar um crime
dessa envergadura?
Se o julgamento da
Ação Penal 470, que resultou na condenação de alguns dos mais poderosos
operadores da política, foi capaz de dominar o noticiário por pelo menos cinco
anos, seria de se esperar que a tortura de crianças ocupasse pelo menos uma
fração desse interesse, ou estamos todos mergulhados em plena alienação?
A impunidade, cujo fim
foi celebrado no caso dos envolvidos no escândalo chamado de “mensalão”, segue
sendo o padrão proporcionado pela legislação que reconstruiu a democracia no
Brasil.
O que se vê na rotina
é a mensagem de que o crime compensa: o jovem Gil Rugai, condenado por
haver assassinado o pai e a madrasta, recorre em liberdade e, mesmo que tenha
confirmada a sentença, terá de cumprir apenas 3 anos e 1 mês de prisão. Depois
disso, poderá se habilitar à partilha de uma herança calculada em R$ 22
milhões.
Dezenas de policiais
militares acusados de chacinas em São Paulo foram reintegrados ao trabalho nos
últimos meses, sem sinal de que venham a ser levados à Justiça.
O médico
Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos por crimes sexuais, foi liberado
pela Justiça e desapareceu.
Torturadores de
crianças gozam a liberdade e a aposentadoria paga pelo Estado.
Só o Globo parece
ter entendido que esse é um tema importante.
Sem comentários: não há o que acrescentar
diante de tanto horror, a não ser lamentar que crimes como esses continuem
impunes, embora os seus autores, muitos ainda não identificados, constituam
ameaça potencial à segurança pública da nação.
Arthur Poerner
Nenhum comentário:
Postar um comentário