Meu Prezado Poerner,
Terminei de ler o seu depoimento em um livro que havia comprado há muito, mas devido a outras necessidades de pesquisa ainda não havia conseguido ler.
Trata-se do Memórias do Exilio.
Gostei muito do seu depoimento. Equilibrado, inteligente, com notável cultura jornalística revelando em detalhes as vicissitudes passadas no exterior. Não sabia que você falava alemão.
De tudo, mas do que sua oposição a ditadura, ficou a imagem de uma pessoa com enorme grandeza humana.
Nós, ex-combatentes torturados, perdemos de certo modo essa dimensão relacional que você nos oferece. A tortura, o trauma e as cicatrizes permanecem no corpo e na mente nos apequenando e, as vezes, impedindo a solidariedade de outrora.
Por esse motivo, apreciei o seu relato. Apesar de tudo, a gente pode perceber que você não perdeu a alegria de ser brasileiro.
Aproveito para enviar meus dois últimos poemas* - Exilio e Carne Viva - que de certa forma refletem o exílio e as marcas de quem não conseguiu sair do país.
Forte Abraço
Adail Ivan de Lemos
Exílio
Uma carteira falsa
Um olhar suspeito
Um funcionário reticente
passo a fronteira
displicente
Do outro lado
volto a ser eu mesmo
lá não há a indecência
cordões da morte ou CENIMAR
cordões da morte ou CENIMAR
somente a cordilheira norte
com sua vista para o mar
Como se estivesse encubado
em uma mina sem sol
desencasulo à tempo
Vejo um lago iluminado
com flores e água corrente
no primeiro feriado de encantamento
Fico embriagado com meu novo país
sento na praça sem pressa
saúdo os passantes
vejo o voo dos pássaros
Posso beber a qualquer hora
da noite ou mesmo do dia
da noite ou mesmo do dia
Em qualquer bar poderia
Ninguém é da polícia
Não mais hoje do que ontem
vai adolescendo um desmonte
devolvendo a dor avante
de estar longe mulher e filho
Lembranças da perseguição
dos dias de anteontem
Subitamente, não se faz mais presente
a paz insistente que procuro recriar
O improvável trouxe consigo seus
imponderáveis
poderíamos ganhar lá e perder o aqui
ou ganhar aqui e perder lá
Para trabalhar e sobreviver
deixo de ser o revolucionário
que já não era
e volto a ser o que sou
nome, profissão e identidade
e dou adeus à clandestinidade
Ivan
Lemos
Rio,
13 de junho de 2013.
Carne Viva
Fui conduzido à OBAN
já havia sido torturado antes
nas entranhas da sucursal do inferno
Contaram histórias estranhas
queriam que confessasse
coisas malucas
neguei tudo
Dependuraram-me nu
recebi choques elétricos
nos tendões do crâneo e do pé
No dia seguinte, um novo qual é
as mesmas perguntas
sob cuspe, berros e ameaças
mais engasgava maiores as cutiladas ácidas
Sentia-me tonto e fraco
me agarrava ao desmaiar
mas fui reanimado arfando
queria parar de sangrar
com fisgadas no hipocôndrio
indícios de quebrado ombro
Na quarta-feira, o capitão Honório
marcou novo interrogatório
corpo suado, hematomas
rosto deformado, sintomas
no espelho d’água na pia
não me reconheci
Como fugir de mim?
Disseram que a equipe de amanhã
essa sim era barra pesada
Se sobreviver,
vai lembrar sempre de sua valentia
dormi estropiado fruto de aleivosia
Dos filhos teus
sonhei que o soldado era um anjo
e subíamos de mãos dadas
ao reino do adeus
Ivan
Lemos
Rio,
9 de junho de 2013.
Olá, Adail,
muito obrigado pela sua estimulante mensagem. Acredito que, para um escritor, palavras como as suas tenham sido sempre, desde os primeiros livros da Humanidade, a principal recompensa pelo trabalho de escrevê-los, maior ainda nestes tempos de best-sellers com prazo de validade programado.
Gosto sempre de ler os seus poemas. Já os publicou em livro ? Abraço fraterno do
Poerner
Querido amigo Poerner,
Que bom que você gostou do que disse. Saiba que veio de dentro, logo depois de terminar a leitura de seu depoimento. Tudo que escrevo carrega a marca da autenticidade e tudo o que digo representa o que estou sentindo. Nós que nunca nos vimos, nos tornamos próximos, quase amigo íntimos, depois de ler o seu relato.
Não, ainda não os publiquei porque muitos dos meus poemas brotaram tardiamente em minha vida.
Especialmente, depois que Lara de Lemos (minha mãe e poetisa) veio a falecer.
Incluo anexa uma foto* sua com Mario Quintana.
Aproveito para incluir também meu último poema Laguna dedicado a Giuseppe Garibaldi. Acabo de ler sua biografia.
Abs
Adail Ivan de Lemos
*Lara de Lemos e Mario Quintana
Nenhum comentário:
Postar um comentário