A polêmica
das biografias autorizadas
Sempre acho bom evitar a personalização nos debates e controvérsias,
porque ela acaba desviando as atenções do tema principal, mas, na polêmica das
biografias não autorizadas, por envolver alguns dos mais renomados músicos do
país, já não é possível dissociar posições dos que as defendem. De modo que,
como autor, me vejo obrigado, pela primeira vez, a discordar do Chico, do
Caetano e do Gil, líderes do grupo Procure Saber, com os quais sempre me senti irmanado quanto ao essencial, às
matérias de relevância nacional como esta.
O mesmo já não posso dizer do outro protagonista no noticiário sobre o
caso, o Roberto Carlos, que nunca nos deu a oportunidade de concordar ou discordar dele, simplesmente
porque se desconhece o que pensou até agora, inclusive quanto à ditadura. E
vago e impreciso continuou sendo na badalada entrevista de domingo no
“Fantástico”.
Penso que a memória dos grandes
vultos e personalidades do país, inclusive da área artística, é propriedade
pública, parte inalienável da identidade nacional, e, como tal, não pode ficar
à mercê ou depender da vontade, do capricho, das idiossincrasias ou,como ocorre
com mais frequência, da cobiça dos seus herdeiros; a estes cabe, sim, parcela
já regulamentada dos lucros financeiros decorrentes do culto a essas memórias,
da venda das suas obras, pois são,
afinal, legatários do prestígio dos seus antepassados.
A experiência vem demonstrando que é nas vantagens pecuniárias que se
concentra e fundamenta a maioria das objeções e exigências dos familiares, como
tão bem exemplifica o caso de "Estrela solitária", a excelente
biografia do Garrincha escrita pelo Ruy Castro, relatado pelo seu editor, Luiz
Schwarcz, da Companhia das Letras, no Segundo Caderno do "Globo"
(17.10.2013).
O Brasil é um dos poucos países em que ainda vigora essa aberrante
forma de censura prévia, a autorização de biografias, uma flagrante violação do
direito constitucional à liberdade de expressão, incompatível com a
democratização em curso, muito embora os abusos e infrações no exercício deste
direito já estejam até previstos legalmente, inclusive com a cominação das
respectivas punições.
Em suma: ou completamos e
modernizamos a nossa legislação nessa área, com a aprovação do projeto que
tramita na Câmara Federal, ou convoquemos a família imperial, para integrar as
bancas universitárias que julgam as dissertações e teses de pós-graduação em
História do Brasil referentes aos seus ilustres antepassados.
Arthur Poerner - escritor e jornalista
Um comentário:
Meu querido Poerner,
Parabéns pelo seu texto. Excelente!!
Abs
Adail Ivan de Lemos
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