sábado, 18 de janeiro de 2014

O acerto e a ingenuidade



     O acerto foi, sem dúvida, da parte brasileira da organização desta já próxima Copa do Mundo de Futebol, ao emplacar o tatu-bola como mascote, antes que nos impusessem goela abaixo, junto com o banimento das baianas do acarajé das cercanias do estádio da Fonte Nova, em Salvador, algum dos raros sobreviventes da fauna primeiro-mundista, alguma rena com trenó e tudo.
     Já o nosso mascote, quando se sente ameaçado ou pressente algum perigo, se enrola, ingenuamente, dentro da carapaça, formando uma bola - justamente, a maior paixão deste país, brinquedo que aqui desperta a volúpia do chute em todo mundo, do neném ainda nos primeiros passos ao mais venerável ancião. Ano passado, não eclodiu um bate-bola com o  Arnaldo Niskier na circunspecta Academia Brasileira de Letras, ameaçando virar pelada entre aquelas vetustas cadeiras ? Basta pintar uma bola para que até a nossa presidenta tente o seu chutinho, como aconteceu dia desses, na inauguração de um dos estádios da Copa. O chute é uma vocação nacional.
       Assim, disfarçado de bola, que atrai, ao invés de desviar as atenções, não podia dar outra: o tatu-bola acabou entrando na relação das espécies em extinção, ao contrário do camaleão, que, com a sua propriedade de mudar, com facilidade e rapidez, de coloração, sobrevive, tranquilamente, entre os lagartos, além de haver-se tornado, mais do que mascote, um modelo de conduta para os políticos do país, cujas cores partidárias e ideológicas também variam conforme as circunstâncias.
      Deve ter sido por isso que era um tatu-bola, "filho do tatu-bolinha" - e não um camaleão -, o animal de estimação que acompanhava o eterno Dorival Caymmi naquele acidentado deslocamento dos Olhos d'Água a Alagoínha, que até virou música.
                                                                                         Arthur Poerner                                                                                

Fiz uma viagem    

Dorival Caymmi


Eu fiz uma viagem
A qual foi pequeninha
Eu sai dos Olhos d'Água
Fui até Alagoinha

Agora colega veja
Como carregado eu vinha
Trazia minha nega
E também minha filhinha

Trazia o meu tatu-bola
Filho do tatu-bolinha
Trazia o meu facão
Com todo o aço que tinha

Vinte couros de boi manso
Só no bocal da bainha
Trazia uma capoeira
Com quatrocentas galinhas

Vinte sacos de feijão
E trinta sacos de farinha
Mas a sorte desandou
Quando eu cheguei em Alagoinha

Bexiga deu na nega
Catapora na filhinha
Morreu o meu tatu-bola
Filho do tatu-bolinha

Roubaram o meu facão
Como todo o aço que tinha
Vinte couros de boi manso
Só no bocal da bainha

Morreu minha capoeira
Das quatrocentas galinhas
Gorgulho deu no feijão, colega
E deu mofo na farinha

2 comentários:

Adua Nesi disse...

NUNCA TINHA VISTO A EVOLUÇÃO DO TATU BOLA AO SE DEFENDER.

Antonio Carlos Poerner disse...


Muito bacana! Nota 11 !

Abraços ACP

Repetindo: Gostei muito da metamorfose do tatu bola, da música muito do Dorival, da letra. Foi um show!

ACP