Mais
um querido amigo se foi: Fatih Bouayad-Agha
11 de fev.
Querido amigo, Fatih, que ia
fazer 86, abandonou todos, família, amigos e, pior de que tudo: eu, Annick, sua
fiel e sempre apaixonada companheira de 58 anos (dos quais 12 no Brasil, no Rio
de Janeiro). Foi numa noite fria do dia 10 de Fevereiro, em Paris. Sentado na
sua poltrona preferida, com Bichinho, seu gato no colo, vendo um jogo de
futebol. As 9 horas e meia (de Paris). De repente, virou a cabeça para trás,
abriu a boca. E se foi. Para não voltar.
Arthur, quero que você me
chame. Annick
A Quarta-Feira de Cinzas, dia já
predestinado à tristeza pelo fim de mais um Carnaval, me trouxe a notícia
acima, de um final muito mais triste, porque definitivo e irremediável.
Conheci o Fatih em meados dos anos 60,
quando a Argélia, onde nasceu em Tlemcen, estabeleceu relações diplomáticas com
o Brasil, após a vitória da Frente de Libertação Nacional (FLN) na guerra de
libertação de mais de sete anos contra o colonialismo francês. Ele instalara a
nova embaixada, da qual foi nomeado conselheiro, depois de haver representado, durante muitos
anos, a FLN em nosso país, período em que se havia acariocado a ponto de se
tornar apaixonado torcedor do Flamengo.
Em 1965, desempenharia papel decisivo na
minha primeira visita ao seu país, designado que fui por familiares e amigos –
entre eles, os jornalistas Hermano Alves e Darwin Brandão – do governador
pernambucano Miguel Arraes a acompanhá-lo no início do seu exílio, depois de
preso e deposto no dia mesmo do golpe, 1º de Abril de 1964, e de longo
cativeiro em Fernando de Noronha. Desta visita, de três meses e meio, resultou
o meu livro Argélia: o caminho da
independência, primeiro a ser publicado em português, em 1966, sobre a
vitória do povo argelino.
Em 7 de setembro de 1967, a polícia da ditadura
invadiu o apartamento em que morava com Annick, no Morro da Viúva, para
apreender documentos pessoais, prendê-lo e dar-lhes 72 horas para deixarem o
país. Não houve explicações oficiais para a violência e violação das normas
diplomáticas; apenas, a vaga insinuação de que mantinha relações com “subversivos”.
Eu, já com os direitos políticos suspensos, era, certamente, pela proximidade
da nossa amizade, um deles...
Já exilado na Alemanha, voltei a vê-lo,
nas primeiras páginas dos jornais, em 1971, quando comemorava na ONU, em Nova
Iorque, com alegria de flamenguista em gol de campeonato, o reconhecimento da
China Popular pela organização. Só vim a reencontrá-lo quando voltei a Argel,
em 1986, a
fim de escrever um artigo sobre os 25 anos da independência para revista Cadernos do Terceiro Mundo, do Neiva
Moreira. Ainda se refazia de nova prisão, desta vez por infundadas suspeitas de
subversão em seu próprio país.
Reabilitado e reeleito para a ONU, voltou
a Nova Iorque, donde me ligou ainda recentemente e até me surpreendeu com o
envio de uma garrafa de excelente uísque. Continuava, sim, sendo muçulmano e
flamenguista, mas sem jamais incorrer no fundamentalismo dos que provocam
guerras entre povos e torcidas.
Arthur Poerner
4 comentários:
Mariana Arraes de Alencar
2 mar (2 dias atrás)
para mim
Arthur,
transmiti a Mada a notícia do falecimento de Fatih, que não conheci, creio, mas de quem ouvi muito falar.
Gostaria de saber como ela poderia se manifestar, à embaixada da Argélia talvez?
Fico agradecida por sua atenção,
Mariana
Pina
2 mar (2 dias atrás)
para mim
Fica conosco o seu exemplo. Abs
ail Ivan de Lemos
2 mar (2 dias atrás)
para mim
Querido compaheiro Poerner,
Fiquei tocado com sua história sobre Fatih Bouayad-Agha. É muito importante costurarmos a história através dessa memória coletiva que ninguém sosinho tem, mas que somando as nossos memórias com a de nossos companheiros é possivel se aproximar muito da verdade histórica.
Obrigado por contribuição, companheiro.
Abs
Adail Ivan de Lemos
Prezado Poerner,
Com tristeza li a notícia do falecimento de Fatih, amigo querido de meus pais Paulo de Castro e Ethel Brandi Cachapuz. Também gostava muito de Fatih e Annick que conheci no período em que viveram no Brasil. Reencontrei Fatih quando viajei a Argélia na companhia de meus pais em 1970. Mais tarde, protestamos contra a prisão de Fatih em carta dirigida ao presidente argelino Chadli, redigida por meu pai e subscrita por muitos de seus amigos brasileiros.
Um abraço,
Paulo Brandi
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