sexta-feira, 26 de junho de 2009

40 anos d'O Pasquim

Arthur Poerner


Há exatos 40 anos, chegava às bancas, neste dia 26, a primeira edição d’O Pasquim, que usaria o humor, uma das mais eficientes armas no combate às tiranias, contra a ditadura que nos assolava, aviltava e silenciava. Nos seus cartuns, charges, caricaturas e textos, o que os democratas não podiam e a maioria da chamada grande imprensa não queria dizer contra o regime instaurado no país pelo golpe militar de 1º de abril de1964.

Um dos mestres nessa luta da inteligência contra a força bruta foi o Jaguar, com quem comemorei a efeméride - termo careta que só sairia como gozação no corajoso hebdomadário (idem) - no Bar Lagoa, onde fomos clicados (fotos abaixo) pelo grande Paulo Jabur, que também padeceu nas masmorras ditatoriais: preso aos 20 anos, em 1972, a três meses da formatura em Engenharia, somente foi libertado sete anos depois, com a anistia.

Em junho de 69, eu estava no exterior, após ter sido obrigado a fugir pela janela do Correio da Manhã na noite em que o marechal-presidente Costa e Silva decretou o AI-5, em 13 de dezembro de 1968.

Só depois de voltar ao Brasil, ser preso na redação do Correio da Manhã, passar três meses no DOI-Codi (Quartel da Polícia do Exército, na Barão de Mesquita) e ter que me exilar, é que me tornei correspondente d’O Pasquim na Alemanha.

O artigo inaugural (abaixo) foi escrito em Bonn, então capital da Bundesrepublik Deutschland (Repúblida Federal da Alemanha, a ocidental), sob o impacto emocional do primeiro Carnaval no exílio.







Bundeskarnaval

O Pasquim, nº 87, 04 março 1971

Arthur Poerner, de Bonn


Já ia me aprofundando por aquele corredor escuro logo abaixo da fossa, quando encontrei o Per e a Lúcia Maria (ele, ator daqui que foi ao Brasil fazer um filme para a TV alemã e acabou se casando com a mulatíssima escolhida entre amadores para estrelar a película). Convidado por eles para o primeiro grito do Carnaval de Düsseldorf, recuperei a alegria de viver. Mais do que isso, vibrei, pois, afinal, o Carnaval nasceu por aqui, na tribo germânica dos alamanos, na Floresta Negra e no norte da Suíça, onde está Basiléia e se realizam, todos os anos, famosos bailes de máscaras.

Desaparecido após a Idade Média, o Carnaval veio renascer no século passado, na época de dominação napoleônica, durante a qual adquiriu acentuado caráter de oposição ao invasor francês. Com o término da ocupação, as críticas se transferiram aos governantes locais e até hoje se repetem (geralmente, expressas nos dialetos regionais), mais ou menos como eram feitas aí no Rio nos desfiles das grandes sociedades, naqueles velhos tempos em que ainda havia algo a ser criticado. Como expressão da cultura popular e das tradições regionais, desenvolveram-se na Alemanha o Carnaval do Sul (Floresta Negra), o do Reno (Colônia e Düsseldorf, principalmente) e o de Munique.

Sequioso por me abeberar nas origens, pensei mais uma vez no Rio, mas comecei a desconfiar um pouquinho quando o Per e a Lúcia me recomendaram que viesse de terno e gravata. Como alemão também vai engravatado a jogo de futebol, não seria por isso que eu perderia a chance de me acabar na folia. Fiz a concessão e acabei me arrumando com tanto apuro que cheguei com uma hora de atraso ao Rot-Weiss-Rot (Vermelho-Branco-Vermelho, sociedade carnavalesca tradicional que, àquelas alturas, pelas cores, eu já identificava com o Salgueiro), maldizendo-me pelo tempo perdido.

O grito teria início às 19h e às 20, todos, rigorosamente trajados (em sua maioria, anciãos), continuavam sentados, na maior ordem e tranqüilidade, às mesas que ocupavam todo o salão. Cheguei a pensar que tinha-me enganado de endereço, pois a única diferença que havia em relação a uma recepção nupcial era o tipo de chapéu que alguns senhores mais idosos usavam: uma espécie de gorro bordado de forma retangular, ainda que um pouco mais alto e pontiagudo na parte da frente, junto à testa.

Quase nove da noite e nada; e eu louco de impaciência para ver o momento em que mesas e cadeiras seriam retiradas e partiríamos, enfim, para a ansiada explosão momesca. De repente, a orquestra atacou um dobrado e quatro jovens trajadas como balizas dos nossos Jogos da Primavera abriram tímido cortejo, que deu uma volta em torno das mesas. Atrás delas, uns dez austeros senhores, vestidos com paletós vermelhos, salpicados de frisos dourados.

Otimista incorrigível, pensei comigo: isso aí é só a Comissão de Frente; atrás dela, virão as diversas alas, a bateria, etc... Mas, que nada. Os dez vetustos varões abancaram-se numa mesa do palco improvisado defronte à orquestra e de lá não arredaram pé. Nova perspectiva surgiu quando eles convocaram o maior folião da cidade – o “Albino Pinheiro de Düsseldorf”, imaginei. Com a ajuda providencial de seus pares e de uma bengala, ergueu-se venerando macróbio, para ser condecorado pela sua “luta intransigente em defesa das tradições e da ideologia (sic) do Carnaval”. Depois de ouvir os elogios, em silêncio e posição de sentido, o condecorado fez uma continência ao contrário (com a palma da mão esquerda virada pra fora), respondida pelos demais. Aí o negócio virou Itamarati, com farta distribuição de comendas e insígnias, cada entrega precedida por longos discursos, alguns contra “a onda comercialista que ameaça acabar com o nosso (deles) Carnaval”. Entre os homenageados, dirigentes de entidades congêneres, entre as quais também a Portela alemã (o “Azul e Branco”).

A seguir, foram apresentados números teatrais e musicais, encerrados lá pelas onze com uma conclamação a que todos prestigiassem os festejos da Weiberfastnacht (em tradução literal, Noite de Carnaval das Mulheres), na última quinta-feira antes do Carnaval, quando as mulheres agarram e beijam os homens nas ruas e cortam-lhes as gravatas ao meio – o que simboliza castração –, embora já tenham-me prevenido que raras são as animadinhas com menos de 60. E aí, enfim, começou o grito, com perdão da má palavra. Como haviam anunciado as nossas presenças (da Lúcia e minha) e como estivéssemos sentados em mesa central, a orquestra, numa “homenagem ao Carnaval brasileiro”, resolveu atacar de Ave Maria no morro.

Agradeci em nome do meu país e, por isto, decidiram retribuir com outra “música brasileira bem animada, pra esquentar”, segundo as palavras do maestro, corroboradas pelo presidente do supramencionado Salgueiro. Atendendo a pedidos e estimulado pelos aplausos, coube-me, então, a suprema honra de iniciar o grito de Carnaval deste ano em Düsseldorf. Ao som de Guantanamera, que antecedeu verdadeira avalancha de roques e tuístes. Tu já viu, bicho, que assim não dá pedal mesmo. Daí este meu grito de saudade e inveja de vocês, apesar de todos os surtos gripais* que os acometem aí.

P.S.: A recopidescagem foi inevitável - e não por culpa do controvertido Acordo Ortográfico. Pô - diríamos no Pasca (para os íntimos) -, como eu era prolixo ! O velho Graça (Graciliano Ramos) tinha razão: escrever é cortar, enxugar sempre, mais e mais...

* Ondas de prisão.

2 comentários:

Emerson Menezes disse...

Poerner, parabéns a você também, por fazer parte deste calendário.

Bom teu texto, de quem mesmo distante, estava sempre a pensar nas coisas do nosso país.

Tenho acompanhado teu blog e gostado muito do que leio. Como estudante de jornalismo que sou, tenho aprendido muito contigo.

Ainda sou grato pela honra de contar com a tua colaboração no ano passado em nossa faculdade (Facha), quando na semana de 23 a 25 de outubro relembramos o indefectível ano de 68 e a tua palestra foi sublime a nos falar deste funesto período histórico.

Continue assim, sempre a nos brindar com seus textos que para além de fatos jornalísticos, falam do respeito à vida.

Obrigado e abraço grande!

Pina disse...

4 de julho de 2009 07:20

Caro Poerner, também estou com saudades de nossos papos.

Parabéns pelo blogue!!! Tenho acompanhado, sempre.

Qualquer hora dessas atualizaremos o papo.

Um abraço


Pina