quarta-feira, 16 de novembro de 2011

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Prefácio para "De mel e tempestade", livro de poesia de Vera Curi

                                                                                        

                                     Poemas de luzes e sombras




Com seu “salto novo de aprendiz de poeta”, ela dá notícias de si e da sua trajetória, mesmo sabendo de antemão que “minha manchete dos escombros dos quais vivo não foi aprovada como pauta”. Depois de concluir a leitura dos quase sempre ansiosos e por vezes angustiantes poemas deste livro, acho que o “aprendiz” é excesso de humildade da poeta ou, ainda, de recato da diligente e zelosa repórter que ela foi na Última Hora, na Fatos e Fotos e no Inverta. Porque, para mim, aprendizado, no caso, só se for aquele que estamos condenados a exercer pela vida afora, inclusive nos nossos ofícios. Afinal, somos, todos, queiramos ou não, eternos aprendizes.

Vera Curi, artista plástica talentosa e devidamente laureada, resolveu pintar em poemas ou emoldurar com palavras o que lhe pareceu não caber nas suas telas. Mas, seria possível, por exemplo, expressar com o pincel a dor e o desespero de mãe ao perder, de maneira especialmente trágica e inesperada, sua única filha, Alessandra, de 30 anos ? “Ouço teus passos ? Ou o vento insiste em me lembrar ???/ Quando pincelavas o verniz nas madeiras/ e borboletas amarelas e brancas a te enlaçarem/ nem sentiam o cheiro forte de solvente,/ parecias uma pintura de Auguste Renoir.”

É uma poesia que nos remete, em certos momentos, ao impressionismo de alguns dos quadros do pintor francês, pelas manchas de luz e de sombra de uma alma dilacerada pela irremediabilidade de uma perda. “Em pleno século XIX, distante do tempo,/ no tempo do celular piscando.../ Entro em casa e na sala a realidade da TV de plasma/ me assusta e você não vem...”

Poemas como cores e sons de uma angústia.


                                                                                    Arthur Poerner

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

68: a geração que queria mudar o mundo



L IVROS




Lembranças de uma geração

marcada pela contestação


Por meio dos relatos de ativistas políticos de 1968, livro resgata

a história de brasileiros que se empenharam na luta contra o regime

militar, em defesa do restabelecimento da democracia no país.


Por Paulo Chico

Nada melhor para entender determinado período histórico do que ouvir os relatos dos personagens nele diretamente envolvidos. Por isso mesmo, o lançamento do livro 68, A Geração Que Queria Mudar o Mundo - Relatos tem sido motivo de celebrações em diversas capitais do País. Foi assim também no Rio de Janeiro, na noite do dia 15 de setembro, em solenidade que reuniu mais de 400 pessoas no Plenário Barbosa Lima Sobrinho, na Assembléia Legislativa do Estado. A obra é composta por relatos de uma centena de ex-militantes políticos, organizados e sistematizados por Eliete Ferrer, do grupo Os Amigos de 68. Trata-se de uma peça vital para a difusão da memória daqueles que combateram o regime militar, pois descreve as percepções e concepções de vida que eles sustentaram, o modo como lutaram e os percalços enfrentados.

“Nosso público-alvo são os jovens. Nosso objetivo é fazer chegar às novas gerações a nossa versão dos fatos. Queremos que os jovens conheçam a nossa alma, os sentimentos dos que lutaram contra a ditadura. Que saibam que somos um geração generosa, que queria um mundo melhor para todos. Assim, o livro reúne histórias reais ocorridas desde 1964 até à abertura política – nas reuniões, na militância, nas manifestações, nas discussões, na prisão, nas ações armadas ou não, nos treinamentos, na clandestinidade, no Brasil ou no exterior, no exílio. O diferencial do nosso livro caracteriza-se pela revelação do lado humano e afetivo daqueles que não aceitaram a prepotência do golpe de 1964, concebido e engendrado nos Estados Unidos”, conta Eliete Ferrer, ativista política nos anos 1960, professora e responsável pela seleção, organização e revisão dos textos.

Diz Eliete que a obra contém relatos sérios, engraçados, trágicos, pitorescos, dramáticos e emocionantes. Cada página é um testemunho vivo de eventos autênticos, pequenos detalhes, retratos instantâneos de um período que marcou toda uma geração, indignada com as arbitrariedades estabelecidas pelos golpistas. Os depoimentos certamente despertarão o interesse de historiadores, roteiristas, cineastas, teatrólogos e jovens de todo o gênero e escolas, interessados em compreender o mundo de pessoas iguais a eles, que viveram, morreram ou escaparam por um triz, em situação-limite.

Nos relatos, sempre escritos em primeira pessoa, são expostas as experiências da vida clandestina, de ações revolucionárias e de assaltos a bancos. Dentre os 100 colaboradores do livro estão nomes como Leoncio de Queiroz, Ivan Cavalcanti Proença, Milton Coelho do Graça, Arthur Poerner, Paulo de Tarso Carvalho, Emilio Mira y Lopez, Marilia Guimarães, Maria Lucia Dahl, Silvio Tendler, Norma Bengell e José Pereira da Silva.



Elmar, a inspiração

A idéia do surgiu no fim de 2006, quando integrantes do grupo Os Amigos de 68 homenagearam o companheiro Elmar de Oliveira na Taberninha da Glória, recentemente falecido. O encontro foi muito afetivo, alguns discursaram e muito se falou de Elmar, das lutas contra a ditadura, do companheirismo, das reuniões, da militância e dos exílios.

“Concluímos, naquele dia, mais uma vez, que tínhamos que dar início a um livro de memórias, que deveria estar pronto até meados do ano seguinte para ser editado e lançado no início de 2008, quando o ápice do nosso movimento completasse 40 anos. A maneira como devemos passar nossas vivências para os nossos filhos e netos sempre foi motivo de preocupação para nós, atentos ao que é ensinado nas escolas, inquietos com a desinformação geral dos jovens. Somente com o conhecimento de sua própria História o povo brasileiro poderá trilhar o caminho em busca da plenitude da cidadania”, aposta Eliete Ferrer.

A partir daí, formou-se um grupo interessado nos cuidados com a publicação, que participaria da seleção dos trabalhos e, depois de revisados, entrariam na composição do nosso livro. E ele acabou por ser editado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que desde 2007, por incumbência constitucional, passou a empreender diversas ações inovadoras com fundamento no conceito global de 'reparação' aos perseguidos.

“A publicação dessa obra é um ato de reparação moral, pois contribui para a conexão da geração de 1968 com a História do País, permitindo que suas lutas e memórias constituam efetivamente parte da identidade nacional brasileira. O livro que agora editamos não tem o objetivo de constituir-se em 'a verdade oficial' sobre qualquer fato, mas quer apenas viabilizar às novas gerações e aos estudiosos do período a leitura de depoimentos pessoais sobre uma série de fatos por demais narrados tanto na História dos 'arquivos oficiais', quanto em outros relatos indiretos, para que estes possam ser avaliados e compreendidos hoje, dentro de um novo contexto social e político”, afirma Paulo Abrão, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

Abrão acredita que ao divulgar os relatos dos perseguidos a Comissão contribui para pluralizar as fontes de pesquisa sobre a ditadura no Brasil. “Trata-se de dar repercussão às vozes caladas no passado. O Ministério da Justiça cumpre sua função legal de divulgar a memória do período que se estende entre 1946 e 1988. E fortalece valores necessários à democracia. Nosso compromisso é com a verdade das vítimas. Significativa parte do conteúdo deste livro está presente nos processos administrativos de anistia, constituindo-se em fatos já reconhecidos pelo Estado brasileiro. Assim sendo, o objetivo de publicar a obra não é gerar consensos, justo o oposto! Pretende-se ampliar possibilidades de leitura e permitir a mais atores sociais que falem livremente sobre aquilo que viveram e sobre o que pensam dessas experiências”, escreveu Paulo Abrão na apresentação da obra.



Momento de rever a história

Por coincidência, na semana seguinte ao lançamento de 68, A Geração Que Queria Mudar o Mundo – Relatos no Rio, a imprensa de todo o país anunciava a aprovação do Projeto de Lei 7.376/10 na Câmara dos Deputados, ocorrida em 21 de setembro, criando a Comissão Nacional da Verdade. “Nossa publicação saiu do forno no momento de grande discussão a respeito da nossa luta pela abertura dos arquivos, pelo cumprimento da decisão da OEA (Organização dos Estados Americanos). Esperamos que o conhecimento proporcionado pela publicação desta obra, junto com a abertura dos arquivos secretos da ditadura, contribua para que esses fatos nunca possam ocorrer novamente”, torce Eliete Ferrer.

A organizadora do livro faz ainda, a pedido do Jornal da ABI, um balanço dos relatos por ela recolhidos. “Certamente, todas essas pessoas vivenciaram o período de autoritarismo, com a crença de que poderiam alterar a história do Brasil. Alteramos. Conseguimos muito. Continuamos querendo mudar o mundo. Marcas? Ficaram muitas, de todo tipo. Fomos muito corajosos, mas somos humanos, não somos suicidas. O medo também esteve presente. Para você ter uma idéia, depois da minha experiência de prisão no Chile, fiquei anos sem poder ver filmes de guerra. Muita gente tem sérias sequelas físicas provenientes da tortura sofrida. Sem falar nas psicológicas”, conta Eliete, que aponta valores como generosidade, inteligência, otimismo e coragem como marcas principais dos depoimentos.

Com mais de 600 páginas, o livro editado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça evidencia o quanto era especial a geração de 1968. Como características especiais, tínhamos generosidade e espírito de luta. Foi uma geração questionadora e transgressora. Como bem descreve Leoncio de Queiroz em nosso livro, essa geração cuja adolescência e juventude coincidiram com esse período, vivenciou um estímulo intelectual, uma colocação de novas idéias e uma sociedade em transformação rápida e positiva como nenhuma outra. Coube a ela questionar tabus arraigados, preconceitos cristalizados e realizar uma revolução nos costumes e na mentalidade então predominantes. Esta foi a geração do feminismo, do amor livre e do anti-racismo”, cita Eliete.

O livro foi editado com a tiragem inicial de três mil exemplares, e não será vendido, apenas distribuído. Todas as bibliotecas brasileiras receberão um exemplar. Os interessados podem solicitá-lo à Comissão de Anistia. A obra também está disponível, na íntegra, no site do Ministério da Justiça. Basta acessar portal.mj.gov.br, e clicar nos link Cidadania, Publicações, Categoria Livros, nesta ordem.


BOX

Aqueles dias tormentosos


“Como se vê, a rebelião da juventude em 1968, que afetou países tão pouco semelhantes como o México e a Tchecoslováquia socialista, não era só política e ideológica, contra estruturas arcaicas de governo e administração ou pela concretização de direitos humanos àquelas alturas já consagrados em tantos documentos universais. Era, também, contra o reacionarismo e a caretice que, mesmo em países do chamado primeiro mundo, como a França, ainda pretendiam ditar as normas de relacionamento entre os sexos. No Brasil, esse movimento democrático e progressista que arejava o mundo foi brutalmente interrompido pelo Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro. Enquanto Alberto Cury lia os drásticos dispositivos em cadeia nacional, forças policial-militares invadiam o Correio da Manhã. Na redação, no 3º andar, fomos avisados, eu e os editorialistas Franklin de Oliveira e Edmundo Moniz, de que deveríamos tentar sair pela janela, do velho prédio da Gomes Freire para um edifício vizinho da Lavradio. Quando entrei, graças a uma prancha improvisada, pela janela do apartamento de um casal desconhecido, não poderia imaginar que aquela noite de derrota ante a força das armas poderia ser vista, 40 anos depois, como prenúncio da vitória de uma boa parte das nossas ideias.” - Arthur Poerner




“A tortura foi institucionalizada. Os centros de tortura consolidaram-se como um fato real e horripilante. A tortura não quer 'fazer' falar, ela pretende calar e é justamente esta a terrível situação: por meio da dor, da humilhação e da degradação tentam transformar-nos em coisa, em objeto. Resistir a tal violência revela-se como enorme e gigantesco esforço para não perder a lucidez, para não permitir que o torturador penetre em nossa alma, em nosso espírito, em nosso pensamento. Em especial, a tortura perpetrada à mulher mostra-se brutalmente machista. Inicialmente, os xingamentos, as palavras ofensivas e de baixo calão ditas agressiva e ferozmente caracterizam-se como forma de anular a pessoa, o ser humano, a mulher, a companheira e a mãe. É difícil calcular o número daqueles que se opuseram à ditadura após o golpe de 1964, em nosso país. Mais difícil ainda apontar quantas mulheres participaram desse processo. No Projeto Brasil Nunca Mais, consta que 884 mulheres foram presas e denunciadas à Justiça Militar à época. Entretanto, acredito que esse número seja bem maior, tendo em vista que muitas presas – como foi o meu caso – não foram levadas à Justiça Militar e muitas que militaram no período não chegaram a ser presas.” - Cecília Coimbra



“Assim que o meu companheiro Luiz Carlos foi solto, ingressei com pedido de passaporte como qualquer pessoa. Quando ele saiu do Dops, entramos os dois na clandestinidade e decidimos deixar o país. Tínhamos pressa, pois o Luiz Carlos poderia ser preso, outra vez, a qualquer momento. Não havia tempo para esperar e não sabíamos se o documento iria ser concedido. Tínhamos muita pressa de abandonar o país. Iríamos para o Chile. Estávamos vivos. Depois de passar pela fase do 'pau', da tortura, no Doi-Codi do Rio e na Oban de São Paulo, ele foi transferido para o Dops, onde o vi pela primeira vez desde aquela manhã de abril do dia em que a PE o seqüestrou na porta do Correio da Manhã. Ainda estava muito machucado, com marcas de hematomas e feridas dos choques elétricos. Magro e abatido. Menciono as marcas físicas. Quase milagre o fato de ele estar vivo. Temos ciência de que os governos militares que tomaram o poder em 1º de abril de 1964, orquestrados pelo governo estadunidense, cometiam todos os tipos de ilegalidade e atrocidades com supostos opositores do regime: seqüestravam, mantinham presos, torturavam, assassinavam e executavam pessoas e, ainda, desapareciam com seus corpos.” - Eliete Ferrer



Jornal da ABI nº 371, outubro 2011

Mais um amigo que se foi

                                                                                 

Neste Finados, meu pensamento se volta para um amigo que se foi há pouco, o Chico Mattos, cujo talento muito me ajudou depois que me tornei, em 1991, o primeiro presidente da Fundação Museu da Imagem e do Som (MIS). Coube a ele, inclusive, com a sua competência de publicitário, a concepção do primeiro fôlder da então recém-criada fundação.


Quase sempre bem-humarado, por vezes dramático e até sarcástico, Chico era uma presença valorizada no convívio de trabalho, que, não raro, se estendia a algum dos bares da Lapa. Antes da saideira, não podiam faltar as suas inesquecíveis declamações, de que o nosso amigo comum Maurício Azedo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), fala abaixo.

                                                                  Arthur Poerner


Chico Mattos, um fã de Guillén



Na juventude, no Rio de Janeiro, com pouco mais de 20 anos, o alagoano Francisco Ribeiro Mattos pensou em ser advogado e com esse fim chegou a prestar vestibular , na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil e na antiga Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas. Na verdade, esse projeto não correspondia a uma vocação ou uma sedução pela atividade de advogado, mas a certo modismo: seus mais fraternos companheiros da União da Juventude Comunista-UJC, a que se vinculara cedo, optavam pelo caminho do Direito e ele não queria afrouxar esses laços de companheirismo.

Se a advocacia perdeu um combativo profissional, a publicidade ganhou um quadro criativo e competente. Também muito cedo, Chico, ou Chico Mattos, como era conhecido, mudou-se para Salvador, onde se associou a um conterrâneo, Murilo Vaz, e a outro jovem profissional, para criar uma das primeiras agências de publicidade da Bahia, a GFM, cuja razão social reproduzia as iniciais de seus criadores: Gama, Francisco e Murilo. A sociedade foi boa enquanto durou, até que os três pioneiros se convenceram de que a escassez de capital não lhes permitiria enfrentar as concorrentes economicamente poderosas que descobriam o mercado baiano. Chico voltou então para o Rio de Janeiro, onde mergulhou de cabeça no mundo da publicidade e teve atuação destacada em agências do prestígio, como a Denison Propaganda, de que foi um dos principais profissionais.

Certa proximidade entre publicidade e literatura levou Chico a se familiarizar com a última, e especialmente com a criação poética. Aos que o ouviam declamar poemas que selecionava com extremado bom gosto literário ocorria sempre uma interrogação: como podia alguém, como ele fazia, declamar com tanta adequação de tom, pausas e melodia criações poéticas alheias? Em algumas destas, Chico era insuperável, como na recitação dos poemas do cubano Nicolás Guillén, de quem era admirador e cuja obra conhecia como poucos no Brasil. O próprio Guillén se surpreenderia com o acento dramático que, com sua voz gutural, seus dotes de ator, sua capacidade de emocionar e se emocionar, Chico emprestava às suas criações.

Engajado politicamente desde a mocidade, Chico Mattos participou ativamente das disputas eleitorais travadas no Estado do Rio de Janeiro a partir de 1978, quando as correntes progressistas do antigo Movimento Democrático Brasileiro-MDB elegeram para a Câmara dos Deputados combatentes da expressão de Modesto da Silveira e Marcelo Cerqueira. Filiado a partir de 1982 ao Partido Democrático Trabalhista-PDT de Leonel Brizola, ele foi assessor comunitário do Secretário de Estado de Trabalho Carlos Alberto Caó de Oliveira Santos no primeiro Governo Brizola.

Chico Mattos faleceu no dia 25 de junho no Rio de Janeiro, de complicações decorrentes de uma cirurgia cerebral. Deixou um filho e duas filhas, uma das quais lhe proporcionou grande alegria nos últimos anos de vida: foi a primeira colocada na prova de conclusão do curso do Instituto Rio Branco e oradora da turma de novos diplomatas, em solenidade presidida pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


                                                                               Maurício Azedo



Jornal da ABI nº 368, julho 2011