quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Eu comecei assim


                                                 Jornal da ABI nº 380, Julho de 2012



Da carteira assinada ao exílio em sete anos                           

                                                                                             Arthur Poerner



     Cheguei à imprensa em 1962, no Jornal do Commercio, mas só em 1º de outubro do ano seguinte, dia em que completava 24 anos, me tornei jornalista na carteira de trabalho, como redator do Correio da Manhã, no copidesque. Eu não podia imaginar o quanto aquele presente de aniversário iria acelerar a minha carreira alguns meses depois, quando o golpe militar guindou o intrépido diário carioca à liderança da resistência à ditadura na imprensa.
     Abatido pelo golpe, que contara com o beneplácito de três editoriais do jornal contra o governo do presidente João Goulart, eu me surpreendi, dois ou três dias depois, numa das principais trincheiras de combate à opressão. Era só seguir a orientação de um quarto editorial, “Basta, fora a ditadura !”, escrito pelo Otto Maria Carpeaux, e a trilha inaugurada pelo Carlos Heitor Cony com o artigo “O ato e o fato”; e manter ouvidos, mente e coração abertos para as denuncias dos desmandos e das violências que nos traziam as vítimas da repressão.
     Virei articulista e, como repórter especial, fui ao Uruguai, para entrevistar Leonel Brizola e outros exilados brasileiros, e à Argélia, para acompanhar a chegada ao exílio de Miguel Arrais. Sem deixar nem reduzir o trabalho no jornal, assumi a direção do semanário alternativo comunista Folha da Semana e publiquei os meus dois primeiros livros pela Civilização Brasileira; um deles, Argélia: o caminho da independência, com prefácio do Carpeaux.  
     Se correu tudo bem ? De minha parte, acho que sim. A ditadura deve ter achado que corria bem demais, porque, em 05 de julho de 1966, aos 26 anos e com menos de três de carteira assinada, ouvi na redação, pelo “Repórter Esso”, o decreto do marechal-presidente Castello Branco que suspendia os meus direitos políticos por 10 anos. O que, dessa vez, não me abateu nem calou, graças, inclusive, ao apoio e à solidariedade dos colegas. O redator-chefe, Antônio Callado, chegou a escrever um artigo em que, com a sua britânica ironia, dizia sentir-se injustiçado, como veterano na imprensa, por ainda não haver recebido a “comenda” a que eu fizera jus com menos de quatro anos de jornalismo. Por isso, continuei a participar daquela luta pela democracia, que ainda incluiria uma rocambolesca fuga pelas janelas do diário, com os colegas Franklin de Oliveira e Edmundo Moniz, na noite da decretação do AI-5, quando o jornal foi invadido por forças policiais e militares.
     A minha saga pessoal no Correio da Manhã se encerrou no início de abril de 1970, quando, com o jornal já silenciado e arrendado a um grupo de empreiteiros, fui preso na redação e encarcerado por mais de 3 meses no quartel da PE do I Exercito, na Tijuca, o que tornaria impossível a minha permanência no país; a do jornal, que teria completado 110 anos de fundação em 15 de junho de 2011, acabou em 09 de junho de 1974, quando deixou de circular.