Versão final em 23.7.13
Foi emocionante ouvir, no coro das ruas, os clamores dessas passeatas. Há menos de quatro décadas, elas ainda nos levariam à prisão, à tortura e, muitas vezes, à morte. As palavras de ordem mantêm o ritmo, as rimas e os sons daqueles tempos sombrios. E “o povo unido jamais será vencido” continua invicto, ao menos como refrão.
Nós ainda nos esgoelávamos pelo fim da ditadura e pela reconquista do mais elementar dos direitos civis, o de ir e vir, porque aqueles eram tempos em que poderia não haver volta de uma passeata ou até mesmo de uma saidinha para espiá-la de longe. Arriscávamos-nos por migalhas de liberdade; a juventude atual, já recuperado o direito ao protesto, tem mesmo é que exigir a democracia em prato cheio, o menu completo de cidadania.
A maior diferença dessa onda de protestos em relação aos nossos emerge na principal reivindicação subjacente, por MAIS democracia. Está no advérbio: na quantidade, intensidade e na qualidade de democracia reclamada. Esses jovens, mobilizados pelo Movimento Passe Livre através das redes sociais, que tanto reforçaram e avivaram os brios nacionais – até na Copa das Confederações - e nos enchem de tantas esperanças, já nasceram no reaprendizado da democracia e estão levando a sério o que aprenderam: que o transporte público, por exemplo, assim como a educação, a saúde e a justiça, para serem democráticos, têm que ser de qualidade e para todos, sem exclusões nem privilégios.
O aumento das tarifas dos ônibus foi apenas o estopim dos protestos, seguido de perto pelo alto custo das obras da Copa do Mundo sem os prometidos investimentos na mobilidade urbana, que beneficiariam a maioria, e pela trama para reduzir o poder do Ministério Público, grande esperança deste povo no combate à corrupção endêmica que sempre nos assolou. A multiplicidade de lemas e reivindicações sociais foi outra novidade que saltou aos olhos em meio ao turbilhão, assim como a rejeição aos partidos políticos, mesmo os de esquerda, e a ausência de lideranças no movimento.
Nós éramos focados no Executivo ditatorial; eles, os jovens do MPL, se voltam contra o conjunto de poderes reconstituídos a partir da vitória daquelas nossas lutas. Já não lhes basta que tenhamos superado os tenebrosos dias em que uma parte dos serviços públicos funcionava, diretamente, para o mal, com assassinos e torturadores de plantão. O novo poder jovem quer, agora, não só que tais serviços trabalhem com exclusividade para o bem, como, ainda, que o façam COM EFICIÊNCIA.
A ministra Cármen Lúcia, presidenta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sintetizou os brados das ruas com mineira concisão: “O sonho do povo brasileiro é a democracia plena e eficiente”. O que, a meu ver, deve pressupor e incluir, com a máxima urgência, a reeducação para a democracia dos serviços encarregados da manutenção da ordem pública. A nossa Polícia Militar, por exemplo, foi criada, afinal, para assegurar a tranqüilidade das elites imperiais, ainda sob o regime escravocrata. Daí a relevância do “você sabe com quem está falando?”, que caiu de moda e já virou cafonice.
Nessas manifestações, a distinção que a polícia algumas vezes deixou de fazer foi entre a imensa maioria que participava ordeiramente e a ínfima minoria – não mais que 200 gatos-pingados dos 300 mil registrados na maior das passeatas no Rio, em 20 de junho – de provocadores e baderneiros, cujas intenções as máscaras e as provisões de coquetéis molotov tornavam evidentes desde que chegaram. Não havia como confundi-las...
Arthur Poerner