quarta-feira, 10 de julho de 2013

O clamor das ruas por mais democracia


                                                                                              Versão final em 23.7.13

   Foi emocionante ouvir, no coro das ruas, os clamores dessas passeatas. Há menos de quatro décadas, elas ainda nos levariam à prisão, à tortura e, muitas vezes, à morte. As palavras de ordem mantêm o ritmo, as rimas e os sons daqueles tempos sombrios. E “o povo unido jamais será vencido” continua invicto, ao menos como refrão.

   Nós ainda nos esgoelávamos pelo fim da ditadura e pela reconquista do mais elementar dos direitos civis, o de ir e vir, porque aqueles eram tempos em que poderia não haver volta de uma passeata ou até mesmo de uma saidinha para espiá-la de longe. Arriscávamos-nos por migalhas de liberdade; a juventude atual, já recuperado o direito ao protesto, tem mesmo é que exigir a democracia em prato cheio, o menu completo de cidadania.

   A maior diferença dessa onda de protestos em relação aos nossos emerge na principal reivindicação subjacente, por MAIS democracia. Está no advérbio: na quantidade, intensidade e na qualidade de democracia reclamada. Esses jovens, mobilizados pelo Movimento Passe Livre através das redes sociais, que tanto reforçaram e avivaram os brios nacionais – até na Copa das Confederações - e nos enchem de tantas esperanças, já nasceram no reaprendizado da democracia e estão levando a sério o que aprenderam: que o transporte público, por exemplo, assim como a educação, a saúde e a justiça, para serem democráticos, têm que ser de qualidade e para todos, sem exclusões nem privilégios.

   O aumento das tarifas dos ônibus foi apenas o estopim dos protestos, seguido de perto pelo alto custo das obras da Copa do Mundo sem os prometidos investimentos na mobilidade urbana, que beneficiariam a maioria, e pela trama para reduzir o poder do Ministério Público, grande esperança deste povo no combate à corrupção endêmica que sempre nos assolou. A multiplicidade de lemas e reivindicações sociais foi outra novidade que saltou aos olhos em meio ao turbilhão, assim como a rejeição aos partidos políticos, mesmo os de esquerda, e a ausência de lideranças no movimento.

   Nós éramos focados no Executivo ditatorial; eles, os jovens do MPL, se voltam contra o conjunto de poderes reconstituídos a partir da vitória daquelas nossas lutas. Já não lhes basta que tenhamos superado os tenebrosos dias em que uma parte dos serviços públicos funcionava, diretamente, para o mal, com assassinos e torturadores de plantão. O novo poder jovem quer, agora, não só que tais serviços trabalhem com exclusividade para o bem, como, ainda, que o façam COM EFICIÊNCIA.

   A ministra Cármen Lúcia, presidenta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sintetizou os brados das ruas com mineira concisão: “O sonho do povo brasileiro é a democracia plena e eficiente”. O que, a meu ver, deve pressupor e incluir, com a máxima urgência, a reeducação para a democracia dos serviços encarregados da manutenção da ordem pública. A nossa Polícia Militar, por exemplo, foi criada, afinal, para assegurar a tranqüilidade das elites imperiais, ainda sob o regime escravocrata. Daí a relevância do “você sabe com quem está falando?”, que caiu de moda e já virou cafonice.

   Nessas manifestações, a distinção que a polícia algumas vezes deixou de fazer foi entre a imensa maioria que participava ordeiramente e a ínfima minoria – não mais que 200 gatos-pingados dos 300 mil registrados na maior das passeatas no Rio, em 20 de junho – de provocadores e baderneiros, cujas intenções as máscaras e as provisões de coquetéis molotov tornavam evidentes desde que chegaram. Não havia como confundi-las...

Arthur Poerner


domingo, 7 de julho de 2013

A volta do poder jovem às ruas

 
    Muito boa a matéria publicada no Portal PUC-Rio Digital sobre o movimento estudantil que sacode o país, desencadeando um debate nacional tão importante quanto ausente nos últimos tempos. Recomendo com entusiasmo e fervor cívico de eterno militante.
NÃO DEIXEM DE LER:
http://puc-riodigital.com.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=22454&sid=41



01/02/2007 - Passeata da retomada do terreno da UNE na Praia do Flamengo. Aldo Arantes e Poerner na primeira fila. - Fotos: Flávio Pacheco

terça-feira, 2 de julho de 2013

O Caco nas manifestações


Depoimento para O GLOBO, publicado no GLOBO A MAIS em 20 de junho de 2013

caráter acolhedor

‘data venia’, nós temos história

 Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e, mais especificamente, seu centro acadêmico, o Caco, dão apoio às passeatas e reforçam passado de resistência

            Cartazes em branco, em cima da mesa do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, o Caco, na Praça da República, esperavam na tarde de hoje para virar bandeiras. Um após outro, iam sendo transformados, com hidrocor, em reivindicações, queixas, gritos de basta, em uma oficina organizada pelos alunos da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. De lá, na segunda-feira, saíram 400 estudantes rumo à Avenida Rio Branco. Por lá, na manhã de hoje, debatiam-se os novos eixos dos protestos.

            A faculdade entrou na rota das manifestações depois de ter sido procurada como refúgio por militantes esbaforidos que fugiam da polícia, na primeira passeata no Rio, há dez dias. Os seguranças não sabiam como agir. E, dali em diante, receberam formalmente a orientação de não impedir a entrada de ninguém, em tempos de protesto. A única exceção é para quem tiver o rosto coberto.

            O passado de resistência do prédio — entre outros fatos marcantes que protagonizou, está o cerco pelos militares, em 31 de março de 1964 — se encontrou com o presente. A atual diretoria do Caco procurou e conseguiu a adesão de ex-diretores, de tempos outros, como o Fora Collor e as Diretas Já, ex-alunos e professores. Criou-se uma espécie de mutirão para mobilizar novos manifestantes e prestar assistência aos que foram presos.
            — Procuramos ex-diretores do Caco, dos anos 70 e 80, que nos ajudaram com panfletos, com megafones, com dinheiro para fazer camisetas. Muitos estavam na segunda-feira aqui, aqueles velhinhos, de cabelo branco, na passeata. Eles estão nos chamando de novos caras pintadas — conta Leonardo Guimarães, de 20 anos, estudante do quinto período e um dos diretores do Caco.
            — Na segunda-feira passada, fui acionado pelo Centro Acadêmico para prestar assistência jurídica a alunos que foram presos na porta da faculdade, eu fui à delegacia, prestei assistência e percebi que o Batalhão de Choque estava fazendo prisões arbitrárias, sem justificativa. Os alunos a que prestei assistência foram liberados porque não existia qualquer prova prática de ato ilícito — diz o professor Francisco Ortigão, professor da faculdade e ex-aluno (entre 1996 e 2000). — A faculdade tem uma tradição de gestão democrática aliada ao incentivo do raciocínio crítico. Queremos formar alunos com esse senso e essa percepção para que atuem para transformar a realidade social brasileira.

            O diretor da faculdade, Flávio Alves Martins, que distribuiu, na segunda-feira, memorando com orientações claras quanto ao caráter acolhedor da Nacional de Direito diante das manifestações, ressalta que a atitude de abrir as portas e a mobilização evidente dos alunos (há convocações espalhadas pelo prédio) é coerente com a História:
            — Aqui é a Nacional de Direito. Sempre participamos dos grandes movimentos, contra posturas autoritárias. Grandes contestadores foram produzidos aqui. Com um governo mais progressista (Lula e Dilma), a contestação foi um pouco pasteurizada. Agora, de forma espontânea, isso surgiu. Quando surgiu, percebi uma grande adesão da faculdade, que tem uma história de muita crítica, de respeito social e de preocupação com a ética. Daqui, saiu mais de uma dezena de ministros do Supremo, políticos importantes, juristas renomados, diplomatas.
            
            O escritor e jornalista Arthur Poerner, de 74 anos, ex-aluno, lembra o ativismo pulsante nos corredores da faculdade durante os anos da ditadura militar:
            — Ela (a faculdade) é uma das mais antigas do país. Passou a ser o ponto de reunião e de debate de ideias dos jovens, o que foi criando essa tradição de engajamento por lá. Os jovens da Faculdade Nacional de Direito tiveram participação em todos os momentos importantes da vida nacional. No início da ditadura, época em que estive lá, o ativismo ainda era estimulado pelo fato de o pró-reitor ser a favor do regime, algo que causava revolta nos alunos e estimulava a luta.

            Professora de Direito Empresarial da faculdade, Koni Cesario também se preparava, nesta quinta-feira, para a passeata. Ela conta que um de seus colegas, da matéria eletiva de Direitos Humanos, liberou os alunos para a passeata de segunda-feira com o argumento de que iriam para “uma aula prática de Teoria Crítica”. E que há uma disposição geral a favor dos protestos. Koni, no entanto, a história do caco tem uma ressalva: acredita ser a hora de diretrizes claras, e conversou sobre a preocupação com suas turmas.
            — Dou aula de Direito Empresarial. Um dos ramos mais reacionários do Direito, sou liberal. Vejo pessoas de pensamento ideológico distintos apoiando esse movimento. Fui da geração cara pintada. A gente curtia, mas tinha um porquê. Há um receio de não acabar em nada. O que a gente quer do futuro? Quando não se canaliza, aparece o risco de uma revolta, o risco da violência gratuita — acredita.

            Enquanto customizava sua camiseta estampando o engajamento do Caco nas manifestações (confeccionada com a ajuda financeira de ex-diretores), Ingrid Figueiredo, de 16 anos, também diretora do Caco e aluna do terceiro período, enumerava os “eixos” do movimento depois da revisão do aumento das passagens. Anteontem, um fórum no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, de que participaram sindicalistas, militantes do movimento estudantil e “pessoas não organizadas”, nas palavras de Ingrid, definiu como bandeiras: tarifa zero; fim da repressão policial e a liberdade daqueles que os militantes já chamam de “presos políticos”; democratização da mídia; e fim da privatização do complexo do Maracanã. Um quinto “eixo” estará entre a bandeiras da passeata, escritas nas cartolinas pelos integrantes do Caco: a defesa do financiamento público de campanha eleitoral.
            — Essa é uma das fontes de corrupção. E a gente sabe que a passagem aumenta porque os políticos dão de volta aos empresários o que eles investiram em suas campanhas — diz Ingrid, que considera esta a terceira fase do movimento. — A manifestação era para ser pacífica. Como a violência policial foi forte, houve a reação. Em um segundo momento, ficou sem norte. Agora é hora de dar esse norte.
            — É preciso cuidado para que o movimento não seja usurpado por grupos. Há uma rebeldia própria da juventude e uma busca de condições melhores. Há questões maiores do que a passagem. Eles (os estudantes) encontraram umBrasil melhor economicamente, democrático. Mas descobriram que não é mais só liberdade e economia que querem — teoriza o diretor Flávio Alves.
            — Para mim, a única repercussão que essa redução trouxe é que ficou R$ 0,20 mais barato chegar à passeata — resume Eduardo Morrot, 21, estudante do quinto período, também do Caco.•             

maia.menezes@oglobo.com.br  Colaborou Thiago Jansen