domingo, 28 de dezembro de 2014

CNV: Relatório final


     Tem gente que ainda não entendeu ou, mais provavelmente, não quer entender, pra poder confundir e fazer oposição: a CNV (Comissão Nacional da Verdade) foi criada com a função exclusiva de realizar um levantamento dos crimes do Estado durante a ditadura, isto é, aqueles pelos quais estão sendo pagas reparações, conforme prescrevem a Constituição e a legislação em vigor. Mais precisamente, para que fique ainda mais claro: aqueles crimes cujos autores jamais foram punidos, porque anistiados ainda durante a vigência da ditadura.
     Missão de que a CNV se desincumbiu em dois anos e sete meses de árduo trabalho, para confirmar, afinal, o que as Forças Armadas vêm negando há quase meio século: que torturaram e mataram presos políticos, conforme o Relatório Final publicado.
      Do documento constam as relações dos 243 desaparecidos e dos 191 mortos pela ditadura, assim como de 30 modalidades de tortura utilizadas contra os prisioneiros. Documento histórico de importância fundamental, que passa a ser fonte de consulta obrigatória nos estudos sobre a ditadura e sobre as violações dos direitos humanos em nosso país.

                                          Arthur Poerner

sábado, 20 de dezembro de 2014

RECADO PRO POERNER: do Affonso Romano de Sant'Anna


      EM 1978,  ESTAVA EM KÖLN ( Alemanha) dando aulas e tinha contato com os exilados brasileiros, como Arthur José Poerner, que trabalhava na rádio Voz da Alemanha e me contou a estória incrível do MANOEL DA CONCEIÇÃO  (que fim levou?). Tendo criado o CPC de Belo Horizonte, ao tempo da UNE, fiz esse poema, que acabo de encontrar nos meus guardados

Manuel da Conceição
camponês do Maranhão
preso por 11 dias
em tortura e humilhação.
Manuel da Conceição
mulato do Maranhão
com um tiro na perna
e gangrena na prisão
transferido de estado
para sua proteção.
Manuel da Conceição
protegeu-se no bispado
em curta baldeação.
Levaram ele de novo
e ao final de mais porrada
muito choque e palavrão
torturadores disseram :
Não precisa cagar não
queremos só as ideias
Que tu enconde na cabeça
Como um tesouro na mão.
Manuel da Conceição
camponês do Maranhão
preso por 11 dias 
em tortura e humilhação,
embora ainda estivesse 
todo estirado no chão
ladrilhando suas forças
libertou o seu segredo :
ao pedir um quadro negro 
para a sua explicação.
Naquela cela em que estavam
os torturadores pasmos
mal compreendiam a lição.
E la ia o Conceição : 
o clarão que o giz traçava,
segundo a fala da mão, 
falava de historia e pão,
porque rico não faz greve
e vive em sua mansão. 
Adiantou alguma coisa
o seu sermão na prisão ? 
Aprenderam os que batiam
a vida no Maranhão ?
É difícil retratar
o que disse o prisioneiro
naquela situação.
Não se sabe quanto tempo
durou a peroração, 
sabe-se que alta noite
na cela do Conceição
surgiu um carcereiro
que tão perturbado estava 
que em vez de carcereiro 
passou a anfitrião.
Narrou ao camponês
a vergonha que sentia
na tortura e delação.
Contou que tinha ordens
para matá-lo escondido
em vez de o por na prisão,
mas que uma vizinha o vira
quando veio o camburão
e o alarme dado ao bispo
livrou-o da execução.
Manuel da Conceição
olhou seu torturador
numa reversa lição
e foi simples e certeiro :
não sou eu quem lhe perdoa
se há perdão possível
peça ao povo brasileiro.