segunda-feira, 25 de maio de 2009

Com Chacrinha e Baudelaire

25 maio 2009

Internauta de primeiras viagens, com menos de dois anos de navegação, já há algum tempo venho sendo estimulado por amigos e leitores a criar um blogue (assim mesmo, antropofagicamente aportuguesado). Afinal, segundo eles, com quase meio século de jornalismo, eu deveria dispor de um espaço próprio para dar o meu recado e expressar as minhas opiniões, fora dos eventualmente disponíveis nas palestras e na mídia. E a internet abre, democraticamente, o caminho para isso, na medida em que proporciona a todos a alternativa de deixarem de ser apenas passivos consumidores de mídia. Não há contra-indicação: se todos resolvessem construir blogues pessoais, o único inconveniente possível, mas improvável, é acabarmos falando sozinhos, mas o monólogo ainda seria, diante da vida, opção mais criativa do que a postura de inércia da maioria dos meros leitores, ouvintes e/ou telespectadores. A participação é, afinal, um dos pressupostos não só da democracia, mas da própria vida.

Também há tempo, no entanto, ando ocupado com três projetos de livros: a 2ª edição do Leme: viagem ao fundo da noite; a gravação das minhas memórias; e uma coletânea de artigos publicados ao longo da carreira, por sugestão do meu amigo Michel Misse, professor de Sociologia do IFCS/RJ e também escritor. O blogue seria, portanto, um quarto item numa agenda que já me absorve por inteiro, ainda que não me obrigue a postagens diárias.

Foi nesse momento de avaliação dos prós e contras que se fizeram ouvir, dos desvãos da memória, dois argumentos decisivos e definitivos: “É preciso ser um homem do seu tempo” (Charles Baudelaire) e “Quem não se comunica se trumbica” (Abelardo Barbosa, o Chacrinha). Vozes distanciadas pelo tempo em que viveram e, inclusive, dissidentes – por exemplo, quanto ao domingo, pois o francês detestava o dia da semana em que o pernambucano atingia o orgasmo do seu protagonismo midiático – confluíram, assim, para me engajar, às vésperas dos 70 anos, numa nova experiência, um novo aprendizado.

Não quero me trumbicar, deixando de me comunicar e de ser um homem do meu tempo. E o blogue está aí, fundindo, numa síntese dialética, os artigos que continuo coletando do passado com as impressões, imagens e opiniões do presente. Desde já, com inquietante saudade do futuro, da completude que ainda está por vir.




Arthur Poerner



P.S.: Por favor, não se trumbiquem: enviem opiniões e sugestões !

22 maio 2009, mensagem a Alaor Barbosa

O marxismo vive !

Caro Alaor,

li, com grande interesse, a série de artigos que você escreveu para o diário goiano sobre 'O que fica do marxismo'. É uma pena que seja um dos raros colegas que tratem de tema tão importante na nossa mídia. Será por falta de interesse, de conhecimento ou de ambos ?

No que se refere às suas "reflexões críticas sobre o marxismo", gostaria de ponderar, inicialmente, que, embora o até hoje insuperado estudo de Marx sobre o capitalismo estivesse, geograficamente, circunscrito à Europa industrializada do seu tempo, as conclusões básicas se aplicam, em grande parte, ao mundo que ele não conheceu. A luta de classes, por exemplo, continua vivíssima aqui, em nosso país, inclusive no Congresso Nacional, com a bancada ruralista do seu conterrâneo Caiado lutando, com êxito, para que o Brasil continue sendo o único dos grandes países do mundo que ainda não realizou uma reforma agrária digna deste nome. O fato de o governo Lula ter repassado para o agronegócio, desde 2003, quase o triplo do que destinou à reforma agrária e à agricultura familiar é, a meu ver, resultado explícito dessa permanente luta de classes no campo.

Mas, isso é tema para ensaio ou para um longo papo e em nada reduz a importância da sua série de textos, que, decerto, tiveram, justamente, o objetivo de provocar o imprescindível debate sobre tão relevante questão, sem deixar de lado o combate à canhestra teoria passarinhesca sobre o golpe e a ditadura militares.

Estou-lhe enviando o romance, na segunda ou terça.

Com o fraternal abraço do

Poerner

terça-feira, 5 de maio de 2009

Pentatri ! “Eu teria um desgosto profundo...” *


Arthur Poerner

5 maio 2009

Eu já nem deveria mais me surpreender com o impacto que as vitórias ou derrotas, conquistas ou fracassos do Flamengo produzem no meu estado de espírito. Afinal, trata-se de paixão muito antiga, pois o clube foi, aos cinco ou seis anos de idade, a minha primeira eleição absolutamente pessoal, com a qual adentrei o gramado como indivíduo e personalidade. Só depois vieram as opções pela Portela e pelo socialismo. No domingo, ao sair pelas ruas do Leme, envergando o manto sagrado, para comemorar o quinto tricampeonato estadual, senti que continuo o mesmo, fiel às escolhas preferenciais.


* Do hino flamenguista mais cantado, o de Lamartine Babo, que não é o oficial, de Paulo de Magalhães.


12 ago.2005, na ABI, recebendo o Título de Benemérito do Estado, da ALERJ, com homenagem da diretoria do Flamengo. Com Walter Oaquim, Carlos Minc e Maurício Azêdo. Foto. Edimilson F. Silva

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Grande perda

Arthur Poerner

4 maio 2009


Com a morte, no último sábado, do dramaturgo e diretor de teatro Augusto Boal, perdemos – não só o Rio, onde nasceu, em Bangu, em 1931, e foi vereador pelo PT, e o Brasil, mas, também os mais de 50 países que adotaram o seu Teatro do Oprimido – um dos mais legítimos intelectuais públicos e orgânicos (na acepção do filósofo e político italiano Antonio Gramsci) do mundo.

Conheci-o no exílio, à época em que Chico Buarque o informava do Brasil, na conhecida mensagem musical, “que a coisa aqui tá preta”. E viajamos juntos algumas vezes, com o Apolonio de Carvalho, para falar do nosso país – sobretudo, para denunciar as violências da ditadura e pedir apoio à luta pela anistia – na Suécia, Dinamarca e Portugal.

Obtida a anistia, desfilamos com a União da Ilha no ‘Barco da volta’, o carro alegórico que fechou um desfile da escola no Grupo Especial – não lembro o ano. No Sambódromo, nos limitamos a cantar o politizado samba-enredo, mas voltamos a compor mesa para falar - pela última vez, já no Brasil: sobre arte engajada e solidária, num ciclo de debates promovido no IFCS/UFRJ pelo Instituto Solidariedade Brasil, a convite do ex-prefeito e ex-senador Roberto Saturnino Braga.

Sempre que se vai um companheiro desse nível cultural, político e humanístico, a emoção e a tristeza que sinto vêm mescladas com a consciência de que aumenta a responsabilidade de levar avante as boas lutas pela democracia.



1990, Boal, Poerner, Minc e Beth Carvalho no protesto contra o ataque de Collor à cultura