terça-feira, 2 de julho de 2013

O Caco nas manifestações


Depoimento para O GLOBO, publicado no GLOBO A MAIS em 20 de junho de 2013

caráter acolhedor

‘data venia’, nós temos história

 Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e, mais especificamente, seu centro acadêmico, o Caco, dão apoio às passeatas e reforçam passado de resistência

            Cartazes em branco, em cima da mesa do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, o Caco, na Praça da República, esperavam na tarde de hoje para virar bandeiras. Um após outro, iam sendo transformados, com hidrocor, em reivindicações, queixas, gritos de basta, em uma oficina organizada pelos alunos da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. De lá, na segunda-feira, saíram 400 estudantes rumo à Avenida Rio Branco. Por lá, na manhã de hoje, debatiam-se os novos eixos dos protestos.

            A faculdade entrou na rota das manifestações depois de ter sido procurada como refúgio por militantes esbaforidos que fugiam da polícia, na primeira passeata no Rio, há dez dias. Os seguranças não sabiam como agir. E, dali em diante, receberam formalmente a orientação de não impedir a entrada de ninguém, em tempos de protesto. A única exceção é para quem tiver o rosto coberto.

            O passado de resistência do prédio — entre outros fatos marcantes que protagonizou, está o cerco pelos militares, em 31 de março de 1964 — se encontrou com o presente. A atual diretoria do Caco procurou e conseguiu a adesão de ex-diretores, de tempos outros, como o Fora Collor e as Diretas Já, ex-alunos e professores. Criou-se uma espécie de mutirão para mobilizar novos manifestantes e prestar assistência aos que foram presos.
            — Procuramos ex-diretores do Caco, dos anos 70 e 80, que nos ajudaram com panfletos, com megafones, com dinheiro para fazer camisetas. Muitos estavam na segunda-feira aqui, aqueles velhinhos, de cabelo branco, na passeata. Eles estão nos chamando de novos caras pintadas — conta Leonardo Guimarães, de 20 anos, estudante do quinto período e um dos diretores do Caco.
            — Na segunda-feira passada, fui acionado pelo Centro Acadêmico para prestar assistência jurídica a alunos que foram presos na porta da faculdade, eu fui à delegacia, prestei assistência e percebi que o Batalhão de Choque estava fazendo prisões arbitrárias, sem justificativa. Os alunos a que prestei assistência foram liberados porque não existia qualquer prova prática de ato ilícito — diz o professor Francisco Ortigão, professor da faculdade e ex-aluno (entre 1996 e 2000). — A faculdade tem uma tradição de gestão democrática aliada ao incentivo do raciocínio crítico. Queremos formar alunos com esse senso e essa percepção para que atuem para transformar a realidade social brasileira.

            O diretor da faculdade, Flávio Alves Martins, que distribuiu, na segunda-feira, memorando com orientações claras quanto ao caráter acolhedor da Nacional de Direito diante das manifestações, ressalta que a atitude de abrir as portas e a mobilização evidente dos alunos (há convocações espalhadas pelo prédio) é coerente com a História:
            — Aqui é a Nacional de Direito. Sempre participamos dos grandes movimentos, contra posturas autoritárias. Grandes contestadores foram produzidos aqui. Com um governo mais progressista (Lula e Dilma), a contestação foi um pouco pasteurizada. Agora, de forma espontânea, isso surgiu. Quando surgiu, percebi uma grande adesão da faculdade, que tem uma história de muita crítica, de respeito social e de preocupação com a ética. Daqui, saiu mais de uma dezena de ministros do Supremo, políticos importantes, juristas renomados, diplomatas.
            
            O escritor e jornalista Arthur Poerner, de 74 anos, ex-aluno, lembra o ativismo pulsante nos corredores da faculdade durante os anos da ditadura militar:
            — Ela (a faculdade) é uma das mais antigas do país. Passou a ser o ponto de reunião e de debate de ideias dos jovens, o que foi criando essa tradição de engajamento por lá. Os jovens da Faculdade Nacional de Direito tiveram participação em todos os momentos importantes da vida nacional. No início da ditadura, época em que estive lá, o ativismo ainda era estimulado pelo fato de o pró-reitor ser a favor do regime, algo que causava revolta nos alunos e estimulava a luta.

            Professora de Direito Empresarial da faculdade, Koni Cesario também se preparava, nesta quinta-feira, para a passeata. Ela conta que um de seus colegas, da matéria eletiva de Direitos Humanos, liberou os alunos para a passeata de segunda-feira com o argumento de que iriam para “uma aula prática de Teoria Crítica”. E que há uma disposição geral a favor dos protestos. Koni, no entanto, a história do caco tem uma ressalva: acredita ser a hora de diretrizes claras, e conversou sobre a preocupação com suas turmas.
            — Dou aula de Direito Empresarial. Um dos ramos mais reacionários do Direito, sou liberal. Vejo pessoas de pensamento ideológico distintos apoiando esse movimento. Fui da geração cara pintada. A gente curtia, mas tinha um porquê. Há um receio de não acabar em nada. O que a gente quer do futuro? Quando não se canaliza, aparece o risco de uma revolta, o risco da violência gratuita — acredita.

            Enquanto customizava sua camiseta estampando o engajamento do Caco nas manifestações (confeccionada com a ajuda financeira de ex-diretores), Ingrid Figueiredo, de 16 anos, também diretora do Caco e aluna do terceiro período, enumerava os “eixos” do movimento depois da revisão do aumento das passagens. Anteontem, um fórum no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, de que participaram sindicalistas, militantes do movimento estudantil e “pessoas não organizadas”, nas palavras de Ingrid, definiu como bandeiras: tarifa zero; fim da repressão policial e a liberdade daqueles que os militantes já chamam de “presos políticos”; democratização da mídia; e fim da privatização do complexo do Maracanã. Um quinto “eixo” estará entre a bandeiras da passeata, escritas nas cartolinas pelos integrantes do Caco: a defesa do financiamento público de campanha eleitoral.
            — Essa é uma das fontes de corrupção. E a gente sabe que a passagem aumenta porque os políticos dão de volta aos empresários o que eles investiram em suas campanhas — diz Ingrid, que considera esta a terceira fase do movimento. — A manifestação era para ser pacífica. Como a violência policial foi forte, houve a reação. Em um segundo momento, ficou sem norte. Agora é hora de dar esse norte.
            — É preciso cuidado para que o movimento não seja usurpado por grupos. Há uma rebeldia própria da juventude e uma busca de condições melhores. Há questões maiores do que a passagem. Eles (os estudantes) encontraram umBrasil melhor economicamente, democrático. Mas descobriram que não é mais só liberdade e economia que querem — teoriza o diretor Flávio Alves.
            — Para mim, a única repercussão que essa redução trouxe é que ficou R$ 0,20 mais barato chegar à passeata — resume Eduardo Morrot, 21, estudante do quinto período, também do Caco.•             

maia.menezes@oglobo.com.br  Colaborou Thiago Jansen

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