segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Os donos da História (Novo título)



A polêmica das biografias autorizadas

Sempre acho bom evitar a personalização nos debates e controvérsias, porque ela acaba desviando as atenções do tema principal, mas, na polêmica das biografias não autorizadas, por envolver alguns dos mais renomados músicos do país, já não é possível dissociar posições dos que as defendem. De modo que, como autor, me vejo obrigado, pela primeira vez, a discordar do Chico, do Caetano e do Gil, líderes do grupo Procure Saber, com os quais sempre  me senti irmanado quanto ao essencial, às matérias de relevância nacional como esta.  O mesmo já não posso dizer do outro protagonista no noticiário sobre o caso, o Roberto Carlos, que nunca nos deu a oportunidade  de concordar ou discordar dele, simplesmente porque se desconhece o que pensou até agora, inclusive quanto à ditadura. E vago e impreciso continuou sendo na badalada entrevista de domingo no “Fantástico”.
 Penso que a memória dos grandes vultos e personalidades do país, inclusive da área artística, é propriedade pública, parte inalienável da identidade nacional, e, como tal, não pode ficar à mercê ou depender da vontade, do capricho, das idiossincrasias ou,como ocorre com mais frequência, da cobiça dos seus herdeiros; a estes cabe, sim, parcela já regulamentada dos lucros financeiros decorrentes do culto a essas memórias, da venda das suas obras,  pois são, afinal, legatários do prestígio dos seus antepassados.
A experiência vem demonstrando que é nas vantagens pecuniárias que se concentra e fundamenta a maioria das objeções e exigências dos familiares, como tão bem exemplifica o caso de "Estrela solitária", a excelente biografia do Garrincha escrita pelo Ruy Castro, relatado pelo seu editor, Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, no Segundo Caderno do "Globo" (17.10.2013).
O Brasil é um dos poucos países em que ainda vigora essa aberrante forma de censura prévia, a autorização de biografias, uma flagrante violação do direito constitucional à liberdade de expressão, incompatível com a democratização em curso, muito embora os abusos e infrações no exercício deste direito já estejam até previstos legalmente, inclusive com a cominação das respectivas punições.
                Em suma: ou completamos e modernizamos a nossa legislação nessa área, com a aprovação do projeto que tramita na Câmara Federal, ou convoquemos a família imperial, para integrar as bancas universitárias que julgam as dissertações e teses de pós-graduação em História do Brasil referentes aos seus ilustres antepassados.


Arthur Poerner  - escritor e jornalista

Um comentário:

Adail Ivan de Lemos disse...

Meu querido Poerner,

Parabéns pelo seu texto. Excelente!!
Abs
Adail Ivan de Lemos