segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Cuba X EUA, um primeiro passo acertado


Aos amigos, a versão final do artigo inspirado no reatamento das relações diplomáticas entre Cuba e os EUA.

 


       
 Depois de exibir a substanciosa entrevista concedida pelo escritor cubano Leonardo Paduro ao Alberto Dines, nosso decano na longa carreira jornalística, o também sempre denso OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, da TV Brasil, teve a felicidade, na semana passada, de poder se aprofundar no assunto graças ao reatamento oficial das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos, um dos temas do momento no noticiário internacional.  
       Tais relações haviam sido rompidas há 54 anos, em 1961, pelos EUA, depois que a Revolução Cubana, vitoriosa em 1º de janeiro de 1959, com a queda e fuga do ditador Fulgencio Batista, adotou uma série de medidas populares consideradas inaceitáveis por Washington, a começar pela reforma agrária, com um confisco de terras que incluiu, no que se referia ao cultivo da cana-de-açúcar, os 40% de plantações sob propriedade norte-americana, além da nacionalização das refinarias de açúcar e de petróleo. 
       E Cuba não cedeu na firmeza, na coerência e na intransigência tão indispensáveis na conquista da liberdade: não quis voltar aos tempos em que os EUA, que controlavam o mercado açucareiro, não hesitavam, quando julgavam ameaçado qualquer dos seus interesses, em intervir, militarmente, na Ilha. Foi assim, à base de uma persistência obstinada, que a Revolução Cubana se consolidou e se impôs, a ponto de influenciar a vida política do nosso continente. Não há mais dúvida, por exemplo, de que contribuiu, diretamente, para o golpe civil-militar no Brasil, bem como  para a série de quarteladas que teria sequência no chamado Cone Sul, ante o pânico que se assenhoreou dos formuladores da política externa norte-americana só em pensar numa 'segunda Cuba' num país com os recursos naturais e populacionais de um Brasil.
      O rompimento das relações pelos EUA foi precedido, ainda, pelo fracasso do embargo comercial decretado em outubro de 1960 e até por uma invasão da Ilha por exilados cubanos, financiados pela potencia imperial, na baía dos Porcos, em 1961, tentativas que só fizeram apressar a orientação socialista do novo regime de Havana.. E o socialismo que acabou resistindo e sobrevivendo até ao desmantelamento da poderosa União Soviética, e convencendo o presidente Obama da inutilidade de toda a pressão de mais de meio século sobre Cuba, é este que acabou de adentrar, com muito mojito para regar os papos, o casarão da Rua 16, em Washington.
      É o socialismo possível, isoladamente, num país pequeno e pobre, mas decidido a assegurar ao seu povo, desde então, o que se pode chamar de básico e fundamental, a própria essência da igualdade democrática de oportunidades: a saúde e a educação. Fora daí, tal princípio democrático só costuma dar as caras, muito raramente, às custas de acasos ou dos assim chamados milagres, área não abrangida pelos estudos do capital, de Karl Marx a Thomas Piketty.
      As prioridades norte-americanas, como sabemos, são outras, tanto que, antes de Obama chegar à presidência, a maioria da população nos EUA sequer podia contar com a garantia de um plano de saúde. Assim, o reatamento de modo algum vai eliminar as divergências e críticas que os dois governos e sociedades continuarão a fazer aos respectivos modelos. Aliás, o reatamento sequer equivale. neste caso, a uma normalização, pois o fim do ominoso embargo norte-americano é medida que transcende os poderes do presidente Obama.
     O reatamento é muito importante, enfim, mas apenas e sempre um primeiro passo, o avanço possível agora, de que tivemos a oportunidade de falar no programa do Dines (a propósito, onde mais poderíamos fazê-lo na nossa supostamente "democrática" mídia ?). O que não deve ser, no entanto, motivo de tristeza ou decepção, pois foi com um primeiro passo que se iniciaram movimentos como, por exemplo, a Longa Marcha (1934-1935), liderada por Mao Zedong, e a ascensão da China à grande potência mundial que já desbancou os EUA da posição de principal parceiro comercial do Brasil.

                             Arthur Poerner
 

8 comentários:

Adail Ivan de Lemos disse...

Prezados amigos e Companheiros,

Considero bem escrito e oportuno este artigo do nosso companheiro Arthur Poerner sobre o que significa a reaproximação diplomática dos EUA com Cuba, que hoje o JOG nos informa que passou a fazer parte da campanha presidencial de Hilary Clinton.

Mais do que resistir político militarmente (invasão da Praia de Giron, 9 atentados contra Fidel, voos rasantes sobre Havana durante a crise dos misseis em 1962 e assassinato de Che Guevara na Bolívia em 1967), Cuba resistiu ideologicamente mostrando que uma solução socialista se mantém como uma “luz no fim do túnel”. Mais do que isso, é viável em um pais pobre desde que ele não se submeta as imposições irrestritas do capital internacional. Além de suportar um bloqueio comercial durante 50 anos, outras manobras intimidatórias absurdas foram tentadas para isolar Cuba, tal como incluir Cuba, junto com Iêmen, Iraque e Afeganistão, na lista de “país terrorista”.

Cuba, como o Vietnã, resistiu ao imperialismo e virou o jogo. O capitalismo, derrotado no campo político militar e ideológico, agora se curva para manter seus ganhos, especialmente através do Porto Mariel (tão injustamente criticado pela direita brasileira).

Não deixem de ler o texto de Arthur Poerner.

Vale a pena.

Abs

AIL

Teixeira Heizer disse...

Poerner, amigo:

Seu artigo retrata a epopeia vivida por Cuba e a resistência de um povo que pretendeu ser livre. Minha geração lembra-se

bem da Cuba do bandido Fulgêncio Batista: "o rendez-vous" dos Estados Unidos. Depois, vieram Fidel, Guevara, Cinfuegos,

o jovem Raul Castro (heroi de Sierra Cristal) e tantos outros que derramavam sobre nós uma ponta de orgulho por sermos

- como os cubanos - uns mulatos obstinados pela liberdade. Parabéns pelo texto oportuno. Abração do velho Teixeira Heizer.

Angela M. F. Tygel disse...


Muito bom!
Obrigada pelo texto.
Abraços
AT

Eduardo Costa disse...


Muito bom artigo Poerner.
Abs
Eduarxo

Arthur Poerner disse...

Obrigado, Adail. Sinto-me, sinceramente, muito honrado ao ter o meu texto indicado por você aos seus leitores, amigos e companheiros. Uma generosa recompensa pelo meu trabalho. Com o fraterno abraço do Poerner

Ney Marinho disse...


Muito obrigado Poerner. Artigo ótimo, importante e oportuno. Toda a solidariedade a Cuba. Tive a honra e prazer, junto com Rosa Beatriz Pontes De Miranda, Jorge Ferreira e outros psicanalistas socialistas, comunistas e sobretudo amigos da paz, de fazer parte da primeira delegação a chegar a Cuba depois do reatamento Brasil-Cuba. A rigor fomos já num movimento forçando o reatamento. Quando desembarcámos soubemos no Aeroporto do reatamento, após 21 anos! Valeu. Salve o povo Cubano e Americano, juntos pela paz e justiça social.
Grande e fraterno abraço,
Ney

Valéria Villela dos Santos disse...

Caro Poerner. Mais um ótimo artigo. E fiquei cá pensando: o que mais desejarão (ou o que exigirão?) os EUA (em particular o Congresso) para que acabem com o criminoso bloqueio?
Abraço, Valéria Villela dos Santos

Ademir Alves de Melo disse...

Companheiro Poerner:

Excelente reflexão. Texto formatado e divulgado nas redes sociais. Incluído como Texto para Discussão no Departamento de Relações Internacionais do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFPB. Incorporado ao acervo do Grupo de Pesquisa do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciências Jurídicas. Valeu!

Abraços,