quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

ANOS DE CHUMBO


A imprensa e o caso das crianças torturadas

Por Luciano Martins Costa em 25/02/2013 na edição 734

Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 25/2/2013
Demorou uma semana, e apenas um dos principais diários de circulação nacional decidiu levar adiante o tema suscitado pela morte do técnico em computadores Carlos Alexandre Azevedo, ocorrido no dia 16/2. Como foi informado por este Observatório em 18/2 (ver “Morrer aos poucos”), ele se suicidou aos 39 anos, por não conseguir superar o trauma das torturas a que foi submetido enquanto esteve preso com seus pais, no Dops paulista, quando tinha apenas um ano e oito meses de vida.
Folha de S. Paulo havia feito, conforme sugestão deste observador, um necrológio no dia 21/02, mas nada além disso. Seus editores certamente ainda acreditam que o que houve no Brasil foi uma “ditabranda” – nesse caso, a destruição da vida de Carlos Alexandre a partir da primeira infância teria sido apenas um dano colateral.
Mas pelo menos um jornal – o Globo – deu sequência à pauta. No domingo (24/2), o jornal carioca publicou reportagem de página inteira com outras histórias de crianças que foram presas e torturadas durante a repressão a ativistas que se opunham à ditadura, nos anos 1970.
Na edição de segunda-feira (25/2), o Globo noticia que a Ordem dos Advogados do Brasil está exigindo que os atos de tortura que vitimaram crianças sejam investigados. Sabe-se que a iniciativa tem poucas possibilidades de seguir adiante, porque o Supremo Tribunal Federal tomou posição contra a reabertura de processos contra agentes da ditadura, sob o silêncio complacente e – por que não afirmar? – aliviado da maior parte da imprensa.
A reportagem de domingo (ver “Tortura na infância gera traumas e documentário” e “Filhos de presos torturados carregam a dor do passado”) no Globo ouviu algumas dessas vítimas, hoje adultos e todos carregando traumas insuperáveis como o que levou Carlos Alexandre Azevedo ao suicídio.
Pelo menos um dos responsáveis por esses crimes é identificado por algumas dessas testemunhas – o coronel Carlos Brilhante Ustra, personagem de outras tantas histórias de torturas e assassinatos, que segue protegido nas sombras da impunidade.
Impunidade é a regra
Se não for suficiente para romper esse círculo vicioso de omissões e cumplicidade que envolve quase toda a imprensa e o órgão máximo da Justiça, a morte de Carlos Alexandre Azevedo tem pelo menos o poder de tirar da letargia a OAB.
A declaração do presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem, publicada pelo Globo na segunda-feira (25), revela o espanto de quem desconhecia a degradação que tomou conta dos órgãos da repressão na década que antecedeu a abertura democrática. “Estamos descobrindo que nem as crianças escaparam da sanha assassina dos torturadores”, diz o representante dos advogados brasileiros.
O que é que falta para evitar que essa história se esvazie no nebuloso sistema de decisão editorial dos jornais? Por que a imprensa é capaz de seguir os passos de personagens obscuros da politicagem, registrar manifestações de meia dúzia de ativistas contra políticos acusados de corrupção, e não tem interesse em apurar um crime dessa envergadura?
Se o julgamento da Ação Penal 470, que resultou na condenação de alguns dos mais poderosos operadores da política, foi capaz de dominar o noticiário por pelo menos cinco anos, seria de se esperar que a tortura de crianças ocupasse pelo menos uma fração desse interesse, ou estamos todos mergulhados em plena alienação?
A impunidade, cujo fim foi celebrado no caso dos envolvidos no escândalo chamado de “mensalão”, segue sendo o padrão proporcionado pela legislação que reconstruiu a democracia no Brasil.
O que se vê na rotina é a mensagem de que o crime compensa: o jovem Gil Rugai, condenado por haver assassinado o pai e a madrasta, recorre em liberdade e, mesmo que tenha confirmada a sentença, terá de cumprir apenas 3 anos e 1 mês de prisão. Depois disso, poderá se habilitar à partilha de uma herança calculada em R$ 22 milhões.
Dezenas de policiais militares acusados de chacinas em São Paulo foram reintegrados ao trabalho nos últimos meses, sem sinal de que venham a ser levados à Justiça.
O médico Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos por crimes sexuais, foi liberado pela Justiça e desapareceu.
Torturadores de crianças gozam a liberdade e a aposentadoria paga pelo Estado.
Só o Globo parece ter entendido que esse é um tema importante.


     Sem comentários: não há o que acrescentar diante de tanto horror, a não ser lamentar que crimes como esses continuem impunes, embora os seus autores, muitos ainda não identificados, constituam ameaça potencial à segurança pública da nação.
                                             Arthur Poerner


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