segunda-feira, 1 de abril de 2013

O quase cinquentenário do golpe: "Visita inevitável", de Miriam Leitão


Miriam Leitão 
31 mar (1 dia atrás)
para mim
Querido

Aqui vai o link da minha coluna de hoje sobre 31 de março: Visita Inevitável.
No jornal eles corrigiram profundas por profundezas quando citei seu livro ao falar da Barão de Mesquita
mas é ignorância deles, não minha.
beijo



Enviado por Míriam Leitão - 


31.03.2013
 | 
09h00m

COLUNA NO GLOBO

Visita inevitável

Eu era menina ainda, mas já gostava de notícia. Grudei no rádio e fiquei ouvindo as informações da movimentação das tropas do general Olímpio Mourão Filho. O que eu não podia imaginar, por ser tão criança, é que aquele 31 de março era o começo de um tempo terrível que tiraria vidas da minha geração, produziria dor e obscurantismo, e que 49 anos depois ainda seria difícil revisitar.
Um professor americano me perguntou outro dia porque só agora o Brasil faz a sua Comissão da Verdade, já que a ditadura acabou em 1985. Eu respondi que o Brasil tem problemas de encarar seu passado, é meio atávico esse defeito. E que, de vez em quando, pintamos o cenário com outras cores para aceitar nossos erros, e daí decorrem teses como as da “mild slavery” (escravidão suave). Mas que, felizmente, estamos mexendo no que ficou congelado por um tempo excessivamente longo.
Na mesma semana me ligou Rosa Cardoso, que integra a Comissão da Verdade. E o que ela tinha a contar era muito. Naquele fim de semana (o último) haveria o encontro da Panair para ouvir, pela primeira vez em quase 50 anos, o que houve com a empresa que por perseguição política teve todas as rotas canceladas pelo governo e foi à falência. Ainda assim, os funcionários se reúnem frequentemente, vão com seus crachás para se reconhecerem tanto tempo depois. A empresa pagou todas as dívidas trabalhistas.
A Comissão da Verdade de São Paulo se preparava para ouvir — ouviu na semana passada — o depoimento de Inês Etienne dentro do capítulo de ditadura e gênero. Inês, que sobreviveu à Casa da Morte, tinha sido chamada, junto com outras pessoas, para falar das sevícias sexuais que atingiram tantas prisioneiras.
O corpo de João Goulart será exumado. Os especialistas ouvidos disseram que, talvez, os exames não sejam conclusivos, porque ele pode ter sido morto por um remédio que afeta o coração e que, tanto tempo depois, pode não ter deixado vestígios. A suspeita permanece.
Não há um único torturador que tenha passado um único dia na prisão pelo crime cometido, de tortura, morte e desaparecimento, como o do deputado Rubens Paiva, do estudante Alexandre Vanucchi, do líder Honestino Guimarães, do jovem Stuart Angel, do jornalista Vladimir Herzog, do operário Manoel Fiel Filho. São tantos. É difícil nomeá-los. Esquecê-los, impossível.
Ainda assim, os militares aposentados se reuniram nos seus clubes e acusaram quem hoje busca informações de ser “totalitário”. Repetem a tese de ter havido dois lados. Pois é. Um lado era a juventude encurralada. O outro, o Estado com o poder exercido de forma ilegítima pelos militares, usando a sua força contra quem ousou discordar.A Comissão da Verdade se descentralizou, outras vão se formando para investigar os vários eventos desse tempo que prometeu ser breve e se prolongou por 21 anos. O que fazer com as instalações onde pessoas sofreram e heróis perderam a vida? O antigo Dops do Rio é hoje o Museu da Polícia. Cheio de armas dos vários tempos. Impossível conviver com um memorial que deveria ter. O antigo DOI-Codi funcionava no quartel da Polícia do Exército na Barão de Mesquita, na Tijuca. Lá morreu Rubens Paiva, lá inúmeras pessoas foram torturadas, como Arthur Poerner, que narrou o que viveu num livro com o sugestivo nome de “Nas profundas do inferno”. Angel foi morto na Base Aérea do Galeão. A tortura foi disseminada, foram muitos os locais de sofrimento.
O passado deve passar. Eu, hoje, avó de meus netos, sei quanto tempo me distancia da menina grudada ao rádio em Caratinga naquele 31 de março. Mas minha convicção profunda é que, antes, é preciso cumprir o ritual da dolorosa visita ao passado.

De: Arthur Poerner <arthurpoerner@gmail.com>
Data: 3 de abril de 2013 21:11
Assunto: Visita inevitável


Olá, Míriam,
muito obrigado; eu já havia lido o oportuno texto, mas a versão digitalizada sempre facilita o arquivamento e, no caso, a merecida divulgação. Mais importante, contudo, foi o seu discernimento ao deixar, por algumas horas, a economia de lado, para falar, na data certa, de um acontecimento que marcou, negativamente, as nossas existências; no meu caso pessoal, levou-me à decisão que hoje considero a fundamental da minha vida: a de ser contra a ditadura desde o golpe militar que a inaugurou. Como o sucesso de qualquer decisão quase sempre depende de uma pitada de sorte, tive a minha, pois era redator do Correio da Manhã, que também se posicionaria contra alguns dias depois de haver apoiado a derrubada de Jango. Foi por isso que eu receberia dois anos depois, aos 26 de idade, o título de que tanto me orgulho, de mais jovem cassado pela ditadura.
Mas, como naquele samba do Monarco - "...se for falar da Portela, hoje não vou terminar..." -, se for falar dos horrores que se seguiram àquela data, hoje eu também não terminaria esta mensagem, que é só para agradecer-lhe a gentileza e parabenizá-la pela iniciativa. Beijo do
Poerner




Miriam Leitão
3 abr (1 dia atrás)
para mim
Oi querido

E eu expedi aqui um mandato de busca e apreensão para saber quem tinha posto na versão impressa "profundezas" em vez de profundas e tinha sido a minha assistente.
Esses moços, pobres moços...
Recebi um monte de mensagem de milicos e simpatizantes me criticando pela coluna.
Eles pensam que ainda tem dentes.
Obrigada pelo carinho
miriam


5 comentários:

Glauco de Oliveira disse...


Glauco de Oliveira 2 de abril de 2013 09:27
Para: Arthur Poerner

Olá, Poerner:

Um texto cândido e apropriado pelo jornalismo plim-plim ou monoinformativo que se pratica hoje no país. Faltou dizer que o jornalão no qual ela escreve foi um dos suportes para que a ditadura durasse 21 anos, e que hoje manipula a todos, e se coloca, juntamente com todo o sistema global, como vestal da moralidade e da ética. Em outra mensagem, vou enviar um texto do Azenha, de São Paulo, sobre essa coisa nefasta. De acordo com o livro acima, mostra como os veteranos somem das redações. Em todo o sistema global, todos os profissional que atingem 60 anos sumariamente são demitidos. Somente ficam os "profissionais" de vitrine, para animarem a festa. De tal maneira que, no texto do Azenha, um dos figurões da Globo chama o Jabor de "ele é o nosso palhaço". Um horror. Abraço do Glauco
----- Original Message -----
From: Arthur Poerner

Eduardo de Azeredo Costa disse...

olpe: Visita inevitável
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Eduardo de Azeredo Costa
10:20 (9 horas atrás)

para mim
Poerner,

Muito bom o artigo da Miriam e melhor ainda a notícia que teu livro avança.

Do meu lado, com mais uns lanhos invisíveis na pele, parece estar chegando o dia de voltar para casa para escrever.

Já fui notificado que o novo Ministro encaminhou o pedido de minha exoneração aqui da Fundação de saúde no trabalho.

Espero poder desfrutar mais de bons papos no teu escritório do Leme.

Abs

Eduardo

Eli Eliete disse...

Eli
22:53 (22 horas atrás)

para _OsAmigosde68
Amigos,
Repasso não só o excelente texto da Míriam Leitão, mas também o comentário do nosso querido amigo Arthur Poerner.
Comemoramos 49 anos de resistência à ditadura implantada no Brasil sob a batuta dos Estados Unidos, como está provado por meio de centenas de documentos do governo estadunidense, revelados no filme O dia que durou 21 Anos: com direção e roteiro de Camilo Tavares. O filme "O dia que durou 21 anos" documenta a participação dos Estados Unidos no golpe de 1964.
Os bastidores - desconhecidos pela maior parte da sociedade brasileira - da participação dos Estados Unidos na preparação e execução do golpe militar em 1964, por meio de documentos sigilosos que ficaram secretos durante anos. O documentário mostra ainda que os Estados Unidos estavam decididos a invadir o Brasil para que o golpe tivesse sucesso.
Eli.

Miramar disse...


Miramar
4 abr (4 dias atrás)

para mim
Oi Arthur querido. adorei o texto da Mírian Leitão,, parabéns!!! saufdades.
Bjsss
Mira

Angélica Müller disse...

Angelica Muller
19:04 (1 hora atrás)

para mim
Poerner meu amigo (e vizinho!)
Muito obrigada pelo texto, inclusive já divulguei nas minhas redes!
Apesar de viver mais o dia que a noite, qualquer hora nos encontramos na Fiorentina!
Um grande abraço!


Angélica Müller