quarta-feira, 5 de novembro de 2014

AINDA O ENTULHO DA VITÓRIA DA DILMA


     Pela quarta vez seguida, o PT derrotou o PSDB nas eleições presidenciais, o que o levará, ao final do segundo mandato da Dilma, a completar 16 anos de ininterrupta permanência no poder, feito jamais alcançado, democraticamente, em nosso país. Para indisfarçável e raivosa frustração dos vencidos no inquestionável veredicto das urnas, que, até o dia mesmo do pleito, recorreram às mais escusas e indecorosas manobras para ganhar no grito, com a ajuda de uma publicação cuja maior utilidade, mais psicológica do que midiática, tem sido a de distrair os pacientes que vivem a tormentosa iminência dos 'motorzinhos' nos consultórios odontológicos; e, já iniciada a votação, com o boato da morte, por envenenamento, do doleiro Alberto Yousseff. Ou será que pode pairar alguma dúvida sobre a candidatura que se pretendia favorecer com mais esta mentira ?
    Não se pode esquecer, ainda, que a vitória do PT, com o inestimável auxílio das redes sociais, foi, também, sobre a chamada grande mídia, que, novamente, não se avexou de tomar o partido da oposição, mesmo quando, para isto, a distorção dos fatos lhe pareceu indispensável. Daí a amarga decepção de que veio eivada a maioria dos comentários que se seguiram ao resultado, com as honrosas exceções do que  escreveram, entre outros, no Globo, por exemplo, os coleguinhas Flávia Oliveira, Francisco Bosco, José Casado, Ilimar Franco, Ancelmo Góis e Frei Betto.
     Alguns dos comentários mais amargamente engajados chegaram a acusar o PT de dividir o país. Talvez porque o Aécio - pessoa afável, que me foi apresentada num aniversário do Ziraldo - chegou a anunciar, num arroubo bolivariano, que iria libertá-lo. Ou porque a Dilma ganhou só (?) com 51,64% dos votos. Mas, o Hollande chegou à presidência, com 51,62%, e o Obama, com 51,42%, e não me consta que se tenha falado que a França ou os EUA estavam divididos.
     O mais provável - e devemos, humildemente, reconhecê-lo - é que o Brasil ainda vive uma fase de aprendizado de democracia, depois de mais de três séculos de escravismo, só extinto às vésperas da proclamação da República, em que, mesmo fora das ditaduras escancaradas do Estado Novo e da militar (1964-1985), raros foram os governos realmente democráticos. É por isto que ainda não podemos ser amigos de quem vota diferente, com a possível exceção de Minas, onde, segundo o falecido ex-governador e ex-ministro da Justiça Milton Campos, um liberal-democrata, "brigam as ideias, não as pessoas". Mais uma razão para valorizar os votos que, a partir das Alterosas, garantiram, com os do Nordeste, a reeleição da Dilma.
     Mas, por que continuar me estendendo sobre um entulho que já está sendo adicionado ao lixo da história ? Não só porque é de lá, dos depósitos de detritos regressivos e reacionários, que ecoam as sinistras pregações de apelos aos quarteis, tais como as dos igualmente sempre derrotados udenistas dos meados do século passado, mas também porque é preciso, antes que os garis concluam o seu trabalho, preservar algumas pistas para os nossos futuros historiadores. E, ainda, porque as comemorações de mais um triunfo não podem apagar a memória do mais recente capítulo da luta do nosso povo pela igualdade democrática, parte inalienável da sua identidade. Foi com o Lula e o PT que ele pôde, afinal, provar o tal bolo que nunca estava suficientemente crescido para começar a ser compartilhado.
                                                      
                                                               Arthur Poerner


17 comentários:

Celso Barata disse...

Poerner: nós já vimos essa história no passado deter vencido por x por cento, etc. Foi assim o pretexto dos golpistas de 1955 contra a posse de JK. Eleitor de Aécio, acho que temos que cerrar fileiras pela defesa do resultado eleitoral. Não podemos ficar repetindo essas patacoadas golpistas quase 60 anos depois...

Zora Motta disse...

Grande Arthur Poerner! Partilhei!

Eliana Madeira disse...

Bem dito e excepcionalmente bem escrito. Como sempre, querido.

Simone Simões disse...

Como sempre, Poerner, você prima pela lucidez em um belo texto. Obrigada.

ARTHUR POERNER disse...

Estou de pleno acordo com você, Celso. E foram essas manifestações de recusa ao reconhecimento do resultado da eleição, com apelações antidemocráticas e golpistas pelo 'impeachment' da presidenta Dilma Rousseff e até pela volta dos militares ao poder, que me obrigaram a ampliar e republicar este comentário. Soube, agora, que o ex-deputado Xico Graziano, da equipe do Aécio, foi alvo dessa reacionária onda de agressividade, resultante, a meu ver, não só de despreparo para a democracia, mas também de ignorância histórica.
Quando falo do desconhecimento da História, no papo com o Celso Barata, me refiro aos antecedentes não só do golpe militar-empresarial de 1964 no Brasil, mas também da ascensão nazista na Alemanha, onde Hitler se aproveitou da beligerante intransigência entre social-democratas e comunistas para sepultar, em 1933, a primeira República alemã, a de Weimar. Embora ainda seja curta a nossa experiência com governos democraticamente eleitos, já foi suficiente para sabermos que inviável não deve ser o relacionamento entre petistas e social-democratas, mas, sim, dessas duas correntes que têm dominado o panorama político do país com ditaduras de qualquer espécie. Parece-me que, no futebol, já estamos mais avançados. Sofri muito, na noite passada, com a derrota do Flamengo ante o Atlético, mas só me resta reconhecer que os mineiros foram melhores. No mundo da bola, talvez porque não tenha passado por 21 anos de ditadura, já não há mais clima para chororô ou tapetão.

Dom Gentil Brito disse...

Caro Poerner !! O sistema de governo adotado pelo o PT é o da social democracia !! O PSDB é nas mais razoáveis avaliações. Um partido neo liberal de direita!! Só tem social democracia no nome!!

Adail Ivan de Lemos disse...

Muito bem escrito e articulado, Poerner.

Sen. Cristovam Buarque disse...

Poerner, apesar da correção de algumas das suas críticas ao saudosismo da ditadura entre alguns que não votaram no PT/PMDB/PDT/PR/Renan,Maluf.....acho um erro grave insinuar que os golpistas têm quase 50 milhões de votos. Muitos desses votaram pela renovação dos quadros que além de viciados nos privilégios e vantagens do poder, estão construindo um aparelhamento que pode eterniza-los no poder. Quando a democracia for representada apenas por um lado, ela não será mais democracia, ainda mais um lado poluído como o atualmente no poder, Há democratas que pensam diferentemente do atual grupo no poder, no qual há muitos apoiadores da ditadura.
Abraço
Cristovam

ARTHUR POERNER disse...

Você me desculpe, Cristovam, mas em momento algum insinuei que sejam golpistas os que receberam ou deram os cerca de 50 milhões de votos oposicionistas. O que escrevi é que "dos depósitos de detritos regressivos e reacionários" - isto é, das latas de lixo da história - "ecoam as sinistras pregações dos apelos aos quarteis, tais como as dos igualmente sempre derrotados udenistas dos meados do século passado..." Ainda ontem, em comentário sobre este artigo na minha página do Facebook, um eleitor do Aécio, Celso Barata, me lembrou dos golpistas de 1955 contra a posse do Juscelino, em que se destacou o Carlos Lacerda. E foi pelo Celso que tomei conhecimento dos constrangimentos por que teve que passar o ex-deputado Xico Graziano, após ter dirigido importante setor da campanha do Aécio, pelo simples fato de não endossar a malograda tentativa de impeachment da presidenta reeleita.
Mas, mesmo que não tivesse amigos e conhecidos nas correntes oposicionistas, eu saberia que os golpistas ali não são maioria. Aliás, os fundamentalistas que se abrigam em organizações políticas ou religiosas são sempre minorias, o que não os impede, conforme a história tem demonstrado, de causar incalculáveis prejuízos às entidades em nome das quais dão livre curso aos seus desvarios. No plano internacional, o exemplo mais atual é o do EI (Estado Islâmico), movimento desencadeado por ínfima minoria do Islã. No nacional, manifestações golpistas de inconformados com os resultados das urnas tiveram os seus dias de primeiras páginas, mas logo - assim almejam todos os democratas - se reencontrarão, no lixo da história, com os tristemente afamados 'tapetões' do desrespeito aos resultados futebolísticos.
Com os fraternos e saudosos abraços pra você e todos os seus do Poerner

Sen. Cristovam Buarque disse...

O bom é retomarmos a conversa. Grande abraço

Cristovam

Carlos Fayal disse...

Muito bom Poerner !

Abraço

Fayal

Hilton Japiassu disse...

Parabéns pelo texto. Abração. Japi

Milton Pina disse...

Muito bom, Poerner.

abs

Pina

Antonio Carlos Poerner disse...

Novamente, BELÍSSIMO!!!

Luiz Carlos Lemme disse...

Amigo Arthur,
Quando converso com o pai (Kardec) sobre as notícias do momento, ele sempre pergunta: "O que disse o Poerner sobre isso? Leia pra mim que depois conversamos."

O velho está praticamente cego mas não perdeu os referenciais.

Abraço e obrigado pelo enterro do "entulho".

Wanderley Machado Diniz disse...

Poerner, companheiro:

antes de mais nada, as tradicionais saudações rubro-negras, não tão rubras diante do empate de domingo, mas ainda esperançosas de estarmos entre os quatro e, depois, como campeão da Libertadores. Não esmorecer, jamais!

Dito o quê, parabéns pelo texto. Curto e grosso como devem ser todos os bons textos, Nada a cortar ou a acrescentar.

Você bateu no ponto.

Parabéns!

Wander

Agência Assaz Atroz (PressAA) disse...

Caro Arthur, como é bom ler e ouvir pessoas (gente de verdade) como você.
Na noite da vitória, enquanto minha amada companheira chorava emocionada,

recebi alguns telefonemas de amigos que se diziam aliviados, "respirando",

conforme, dias depois, soubemos que a senadora esposa de Mujica falou:

"A América Latina respirou (aliviada)".

Mas uma amiga nossa bem que definiu a situação com uma expressão muito popular:

"Saltamos uma fogueira!"

Abraços

Fernando